domingo, 27 de março de 2011

O pijama e o TV

Existem várias modalidades de torcedor de futebol espalhados por aí. O fanático, o pessimista, o sofredor, o dramático, o empolgado. Cada um tem sua peculiaridade e seu jeito de torcer. Mas dois tipos, em especial, me interessam mais. O torcedor de pijama e o torcedor de TV.

Os dois, obviamente, não freqüentam o estádio. Há muito não sabem o que é um engarrafamento, um empurra-empurra, um feijão tropeiro ou um cachorro quente feito na cozinha improvisada, ou um copo de líquido incerto atirado a poucos metros.

Mas o pijama e o TV estão longe de se parecerem.

 O torcedor de pijama simplesmente se cansou de tudo o que o que foi dito acima. Está farto de ser agredido e desrespeitado nos seus mais básicos diretos de cidadão, quando vai ao campo. De tanto ter ido. Mas sabe de cor a escalação do time. Sabe quem é o goleiro do sub-17 convocado pela seleção. Sabe as tabelas de todas as competições do ano e onde vai ser o jogo do time no dia do seu aniversário.

Já o torcedor de TV não está nem aí pra nada. Não sabe o nome do goleiro nem do camisa 10. Não desmarca um compromisso por causa do jogo de quarta-feira. É aquele que, de tempos em tempos, alguém olha e pergunta: - Esse cara gosta de futebol? Ele só é notado quando o time ganha o jogo da TV, domingo à tarde, e aparece no escritório fazendo piada com todo mundo, mesmo sem saber quem fez os gols.

O torcedor de pijama é austero, íntegro. Tem um passado e uma história a zelar. O de TV não. Além de chato e arrogante, não merece o respeito de ninguém. E como tem desse tipo por aí...

terça-feira, 22 de março de 2011

A culpa não é sua

O homem moderno sofre demais. Contas, horários, compromissos e trânsito. Senhas pra lembrar e tristezas pra esquecer. Trabalho pesado, rotina enfadonha. Desamor, solidão, insônia, enxaquecas, cólica. É duro, amigo. Mas ninguém falou que ia ser fácil.

Grande parte dos transtornos da vida de hoje vem da infância. De alguém que disse alguma coisa que marcou. Ou da lembrança de alguma coisa que realmente marcou. De palavras duras, cobranças demasiadas, expectativas amargas. De sonhos que nunca se realizaram.

Uma coisa é certa: a culpa não é sua! Não pague por frustrações que você não deve ter. Por pecados que não cometeu. E por projetos fracassados que você nunca quis que se realizassem.

Você não é culpado porque seu time perdeu a final pro rival. Foi o centroavante que perdeu o gol. Foi o zagueiro que furou, e o goleiro que levou o frango. Você gritar ou não na arquibancada, justo naquele jogo em que não pôde ir, não ia mudar o rumo das coisas.

Cuide da criança que você foi. Pro seu próprio bem. Pegue-a no colo, faça carinho nela. Diga que a culpa não é dela, que ela fez o melhor que podia. Você vai dormir bem melhor. Sua vida vai ficar mais fácil depois que você fizer isso. Porque, afinal, a culpa também não é sua.

Apelidos

Em meados dos anos 1940, o garoto Édson, chamando de Dico pela família, era fã de um tal Bilé, goleiro do glorioso Vasco de São Lourenço. Entre uma defesa e outra que Dico fazia, nas peladas de infância, ele soltava o brado: defendeu Bilé! Como brasileiro adora apelido, Dico virou Bilé, e entre um sotaque e outro, uma irritação do pequeno Édson e outra, se transformou eternamente em Pelé.

Mais ou menos uns dez anos depois, chegamos ao tempo em que o pequeno Eduardo jogava suas peladinhas entre as crianças maiores no conjunto habitacional IAPI, pertinho do centro de Belo Horizonte. De tão pequenino, Eduardo era chamado de Tostão, numa ‘homenagem’ à moeda de menor valor da época. Se gostava ou não do apelido, nunca ouvi falar. O que sei é que Eduardo também se transformou em Tostão por toda a eternidade.

Outro salto de dez anos na nossa história e chegamos ao jovem Roberto, jogador do Vasco. Reza a lenda que após seu primeiro jogo como profissional do clube da Colina, uma derrota por 1 a 0 para o Bahia, o famoso Jornal dos Sports o chamou de garoto dinamite. Roberto deve ter gostado do apelido, tanto que o usa até hoje, inclusive como presidente do clube onde viveu toda sua vida.

Pois é, fico pensando se Pelé, Tostão e Dinamite começassem suas carreiras nos dias de hoje. Certamente seriam chamados de Édson Nascimento, Eduardo Andrade e Carlos Roberto. O futebol moderno é chato demais. Os três certamente jogariam o mesmo tanto, mas o encanto da torcida seria bem menor. Sem falar que logo iriam pro Chelsea, pro Barcelona ou pro Lyon. Mas isso é outro assunto...

Não tenho nada contra os Thiago Ribeiro, Renan Oliveira e Lucas Piazon da vida. Muito pelo contrário, todos jogam muito. Só acho que se fossem chamados de Tucho, Negueba ou Obina seriam mais divertidos. E talvez tivessem a inspiração que só apelidos como Pelé, Tostão e Dinamite podem dar.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Saudade

Saudade é um negócio complicado. Tem gente que não gosta, enquanto outros dependem dela pra viver. Uns ficam deprimidos e alguns se alimentam de lembranças. Pessoas, lugares, cheiros, gostos, enfim... quase tudo é motivo pra se sentir saudade.

Eu, por exemplo, estou com saudade do Mineirão. O trânsito barulhento pra chegar ao estádio, as filas gigantescas pra comprar ingressos, o empurra-empurra pra entrar. As coisas ruins também fazem falta quando o motivo maior da saudade supera tudo.

Nada no mundo me deu emoção maior do que subir lentamente as escadas de acesso às arquibancadas, ouvindo as vozes da torcida ao longe. O tapete verde que se apresenta ao primeiro olhar no topo da escada. E os minutos de aflição que antecedem um grande jogo.

Sinto saudade dos amigos que iam comigo ao Mineirão. Saudade dos primos e tios, companheiros de arquibancada, que hoje vejo tão pouco. Saudade dos bons momentos antes dos jogos, e das horas de agonia ao voltar pra casa, depois de perder um clássico.

Saudade é assim mesmo. Cada um sente a sua. De coisas que estão perto ou longe. De gente que um dia volta. Ou que nunca mais vai voltar. Saudade do que foi bom. E até do que foi ruim. Saudade de coisas que a gente nem sabe mesmo o porquê de sentir tanta saudade...

domingo, 13 de março de 2011

O bolero do pênalti perdido

Eu queria ter sido cantor de bolero. Provavelmente minha vida estaria muito pior agora. Os dentes também. As contas atrasadas, o aluguel, o IPVA da velha Caravan. Os amigos indo embora, um a um, de cirrose, hepatite, tristeza, solidão...

Ser um cantante, obviamente, também teria seu lado bom. Mulheres apaixonadas, infinitas doses de vermute, orquestras afinadas me acompanhado, plateias lotadas me aplaudindo. Não, não, isso não. Eu não me mudaria pro México ou pra Argentina para realizar meu sonho.

Como nunca tive muito talento pra cantar, virei então, jornalista esportivo. Mas o bolero eterno que toca dentro do meu coração nunca me largou, e até hoje não me deixa acompanhar uma partida de futebol sem sentir o drama e a tristeza de uma canção apaixonada.

Existe coisa mais cruel do que um pênalti perdido? Um gol praticamente feito vira uma decepção sem igual. Isso é letra de bolero, acordes desesperados e a voz rouca do cantor tentando, inutilmente, mudar o passado.

O goleiro que defende um pênalti é um canalha. É o sujeito que está com a mulher do cantor, na letra da música. É o traidor, é aquele que causou a tragédia e a separação da união mais óbvia criada por Deus: atacante e gol.

Todo pênalti deveria ser transformando automaticamente em gol. E não venham me dizer que o goleiro vira herói. Porque é do vilão que vão falar o resto da vida. O doce da conquista passa, mas o amargo da derrota é eterno. Como um gole de vermute.

sábado, 12 de março de 2011

Garrincha e Disney

Eu sempre achei que o Garrincha fosse um personagem de Walt Disney. Daqueles que ficam correndo nos bosques, entre árvores, rios, maçãs e flores. Com borboletas, cachorros, Mickey, Pato Donald e Pluto. Pra mim, o ponta direita mais famoso do Brasil sempre teve cara de coisa leve, que flutua e viaja com liberdade. É claro que não o vi jogar, nasci em 1976. Mas, Ruy Castro, Armando Nogueira e Nélson Rodrigues me contaram. E, sobretudo, meu saudoso avô me contou.

Vi também, quando criança, várias imagens em vídeo de Mané Garrincha e nunca consegui separar suas cores de desenho animado de um belo fundo musical. Eu tinha até um roteiro.

Vou explicar. Imagine Garrincha com a bola pela ponta direita. Três ou quatro marcadores perto dele. Capriche aí na cena, porque na sua imaginação não existem chuviscos de videotapes antigos. Mané, em traços mágicos, dribla um, dois, três, vinte e oito – vai lá, é a sua cena, pode tudo – volta, dribla de novo e chuta pra fazer o gol. Perfeito não é? Não. Porque falta o fundo musical. Garrincha driblando é como uma valsa de um desenho Disney. A música vai e volta como os zagueiros, a orquestra se alterna ao ritmo das pernas tortas do Mané, e os violinos vibram a cada João caído pelo gramado.

Volte e imagine toda a cena de novo, agora com a música. Os zagueiros Huguinho, Zezinho e Luizinho vão ficando para trás, o Professor Pardal tenta entender aquela invenção de dribles sem precedentes, e a orquestra lá, ritmando tudo. Ficou bem melhor.

O problema é que, como em todo conto de fadas, existe uma bruxa malvada, e ela apareceu para Garrincha. Com verruga no nariz e voz de megera, a bruxa do Mané era poderosa. Foi tomando conta da sua vida pouco a pouco, e, quando ele assustou, não era mais jogador, nem pai, nem amigo, nem marido, nem desenho, nem nada. Mané Garrincha provou a maçã envenenada da bruxa má e, para a orquestra de violinos de Walt Disney, só restou o silêncio.

sexta-feira, 11 de março de 2011

My little brother

Paulinho ganhou o apelido no diminutivo por ser xará do pai. O porte franzino e o fato de ser o primogênito também ajudaram. O guri reinou absoluto como único filho e neto até completar seis anos.

Até que chegou o Marcelão. O irmãozinho do Paulinho nasceu com quase quatro quilos, daí o aumentativo no nome do garoto. Mas, uma infecção hospitalar fez com que o Marcelão fosse pra casa miudinho e rodeado de cuidados. Enquanto isso, o Paulinho já estava forte como um bezerro, repleto de amor e mimos.

Assim cresceram os dois irmãos. O grandão com apelidinho e o pequenininho com apelidão. Paulinho e Marcelão foram crianças comuns, saudáveis, cheias de energia e vontade de brincar. Até que chegou a adolescência. Para o Paulo, já bonitão e vistoso para as meninas. O Marcelo parecia um ratinho, enfiado entre os livros e os brinquedos.

E foi aí que começaram os problemas do Paulinho. A mãe, Dona Zuleide, na melhor das intenções, queria que ele levasse o irmãozinho pra todo canto. Festas, bailes, horas dançantes do colégio, tudo, enfim. O Marcelão achava o máximo estar misturado com a galerinha mais velha, mas o Paulinho não via graça em nada daquilo. Afinal ele tinha que cuidar do irmão, enquanto podia estar cuidando e sendo cuidado por Simones, Anas, Paulinhas e Claudinhas da escola.

Cinema, showzinho de rock, violão na pracinha, reunião do grupo de jovens da igreja, qualquer coisa que o Paulinho quisesse fazer, só ia com o Marcelão a tiracolo. Dona Zuleide tinha trauma de ter visto o caçula sofrer tanto no berçário, mesmo que ele já tivesse a saúde de um potro, ainda que fosse tão pequenino. Paulinho não tinha outra escolha. Ou levava o Marcelão ou não ia. E assim ia tocando a vida e os momentos de lazer da adolescência.

Como toda história tem sua ironia, havia um lugar em que a Dona Zuleide proibia terminantemente a presença do Marcelão. E este era o único em que o Paulinho fazia questão de levar o irmão: o campo de futebol.

Não porque o Paulinho era rebelde. Muito pelo contrário. Mas simplesmente porque ir ao Mineirão não tinha a menor graça sem o little brother ao lado.

No estádio os dois eram um só. Dividiam como irmãos o mesmo grito, o mesmo abraço e o mesmo prato de feijão tropeiro. Passavam juntos na catraca, xingavam as mesmas pessoas e, sobretudo, comemoravam os mesmos gols. Os dois sabiam disso. Todo aquele espetáculo não fazia o menor sentido sem o outro do lado.

Paulinho e Marcelão hoje são adultos. Continuam indo ao Mineirão juntos, como sempre. O grande e o pequeno ainda se lembram bem. No estádio é que tudo era mais explícito. Mas o cinema, as festas, os shows, enfim, todos aqueles compromissos em que iam juntos por ordem de Dona Zuleide, não tinham o menor significado se um não estivesse ao lado do outro.


Para minha irmã Carla, aniversariante da semana

sábado, 5 de março de 2011

O Hino Nacional

Pode até parecer, mas eu não sou saudosista. Só que tem algumas coisas que realmente eram melhores e faziam mais sentido na minha infância. O Hino Nacional é o exemplo mais marcante disso. Quando tocava o hino, todo mundo ficava de pé, a gente fazia silêncio, muitos com a mão sobre o coração, e crianças e adultos cantavam o que sabiam da complicada e erudita letra.

A gente entendia. Se estivessem tocando o hino, era por algum motivo sério. Alguma data cívica importante, uma figura histórica que havia morrido, ou coisa do tipo. Toda a molecada respeitava, e assim aprendemos a amar a bandeira e o hino do Brasil. Ou pelo menos a fingir bem.

Acontece que hoje cismaram de tocar o hino em qualquer atividade pública. Final do Campeonato Municipal de Cuspe à Distância. Posse da Dona Marly como nova cozinheira da Secretaria Regional de Economia Doméstica. Substituição do Juquinha pelo Ribamarzinho nos Escoteiros Voluntários do Estado.

Aí não tem cristão que aguente. A letra já é difícil e longa e ninguém sabe o que significam palavras como impávido, fúlgido e plácidas, todas proparoxítonas, por sinal. Fica chato mesmo. Se a ideia era popularizar o hino, estão fazendo exatamente o contrário. Ô saudade de quando as coisas tinham sentido no mundo...

Comemorações

Falar que o gol é a emoção maior do futebol é tão óbvio e antigo quanto Belchior imaginar a angústia do goleiro naquele momento. Vamos, então, deixar angústias e goleiros de lado, por ora, e nos concentrar apenas na emoção maior, já que o gol é o que move a vida. É o que transforma, inspira e arrebata. É o que derruba generais e eleva plebeus e bobos ao lugar mais nobre do trono. Nada mais justo, portanto, do que extravasar naquele momento toda a energia e inspiração possíveis.

A mais clássica comemoração de gols de todos os tempos é a do rei Pelé, claro. O soco no ar é um patrimônio mundial da humanidade, marca registrada de um gênio sem comparações. Imitada nos quatro cantos do mundo até hoje, justamente por ter sido tão sincera e verdadeira.

Mas, vários outros jogadores, mortais e de carne e osso, como nós, também gravaram seu nome na história, após marcar um gol e comemorar de forma diferente. Bebeto, na Copa de 1994, teve a companhia de Mazinho e Romário, para embalar o filho recém-nascido e emocionar todo o Brasil.

Paulo Nunes e Viola fizeram coreografias, levaram máscaras e chupetas dentro dos calções, provocaram os rivais e, também, se eternizaram na história. Raí e Neto tinham uma forma particular e emocional de dar seu soco no ar. Reinaldo viveu a plenitude dos anos 1970, ao comemorar como os Panteras Negras. Lela fez careta, homenageando os filhos, crianças, Alecsandro e Richarlyson, que cresceram e retribuíram, ao imitar a alegria do pai na hora do gol.

A emoção é tão impar, que Gilmar dos Santos Neves, bicampeão mundial com a Seleção Brasileira, em 1958 e 1962, sorria após sofrer um gol, mostrando a todos exatamente o oposto da angústia do goleiro. Quer coisa mais legal que isto?

sexta-feira, 4 de março de 2011

Clássicos do interior

Vou contar um segredo. Até gosto de futebol internacional. Como amante do Velho Ludopédio, não sou louco de não gostar. Curto um Milan x Inter, um Barcelona x Real, um Manchester United x Arsenal. Mas o que me emociona de verdade, desde os meus primórdios futebolísticos, são os clássicos do interior do Brasil. Esses jogos tão comuns no país até os anos 1990 e tão raros desde então.

Esta semana, Uberaba e Nacional fizeram um amistoso comemorando os 191 anos da cidade de Uberaba. O jogo movimentou o Triângulo Mineiro, já que não era disputado de forma oficial desde 2004, ano em que o Naça desativou seu departamento de futebol profissional.

Como este, vários outros clássicos revivem rivalidades históricas Brasil afora. O estado de São Paulo é o mais rico neste quesito. Botafogo e Comercial fazem o Comefogo de Ribeirão Preto, São José e Taubaté despertam fortes emoções no Vale do Paraíba, e América e Rio Preto dividem São José do Rio Preto em duas metades. Isto sem falar no derby campineiro, disputado entre Guarani e Ponte Preta e que já valeu até pela primeira divisão do Campeonato Brasileiro.

Caxias x Juventude, Goytacaz x Americano, Treze x Campinense, Anapolina x Anápolis, enfim, é uma gama ampla de grandes rivalidades espalhadas pelo interior do Brasil, de norte a sul. Que a modernidade do futebol foi minando pouco a pouco.

Hoje em dia, a primeira camisa de um garoto de Belém é a do Chelsea, quando deveria ser do Remo ou do Papão. Sampaio Corrêa e Moto Clube jogam pra dois mil pagantes, em São Luís. Isso quando jogam! E quem pode me dizer, com precisão absoluta, quando foi a última vez que Comercial e Operário se enfrentaram num domingo à tarde, com o Estádio Morenão lotado, em Campo Grande?

Eu não tenho camisa do Barcelona. Nem desmarco compromisso pra ver jogo de Champions League. Não tenho nada contra. Só que prefiro saber quanto está Potiguar x Baraúnas, pelo grande derby de Mossoró.


Dedicado aos amigos Lilian Moreira e Walmiro Muzzi

terça-feira, 1 de março de 2011

O amigo imaginário

Muitas crianças têm amigos imaginários. Que surgem nos primórdios da infância e seguem com elas, lado a lado, até o início da adolescência. Em alguns casos, os imaginários vão até a vida adulta e, de tão íntimos, nunca mais deixam de existir.

Confesso que nunca tive um. Eu brincava sozinho, conversava sozinho e até tive planos de dominar o mundo em carreira solo. Mas, a mais pura verdade, é que jamais tive um amigo invisível. Não sei bem o porquê. Acho que é só um pedaço de fantasia que minha mente infantil nunca quis explorar.

Mesmo achando normal que crianças e adultos tivessem seus amigos fantasiosos, tem um caso que me incomoda muito. Ocorreu entre os anos 1950 e 60, mas até hoje me deixa com a pulga atrás da orelha.

Um tal de Coutinho era jogador profissional. Do famoso Santos, de Pepe, Mengálvio e Zito. Quem nunca ouviu falar do Santos de Pepe, bicampeão da Libertadores e do Mundial, em 1962 e 63?

Coutinho era atacante. Bom de bola, fez muitos gols ao longo da carreira, quase 400, se não estou enganado. Mas era louco de pedra. Doidinho da Silva. E tinha um amigo imaginário.

O amigo do Coutinho, segundo ele, era um mágico que fazia gols com as duas pernas, cabeceava como mestre, driblava com perfeição, tinha a força de um touro bravo e jogava com talento até no gol, se preciso fosse. Pra piorar a história, Coutinho dizia que fazia tabelinhas fantásticas com o tal imaginário. Vejam só isso...

Nos seus mais fortes delírios, Coutinho contava que o garoto fez mais de mil gols como profissional, ganhou três Copas do Mundo e parou uma guerra! Foi chamado até de rei do futebol por algumas pessoas. O tal moleque tinha um apelido, mas não me lembro qual era.

É como eu disse. Gosto dos amigos imaginários. Acho uma brincadeira saudável. Mas tudo tem limite nessa vida...

Os itinerantes

Todo mundo já ouviu falar do Matsubara, time simpático que hoje perambula pelas divisões inferiores do Campeonato Paranaense. O Japonesinho, como é carinhosamente chamado por seus poucos torcedores, era figura fácil na revista Placar, nos gols do Fantástico e nos antigos cartões da loteria esportiva. O pitoresco nome vem do fundador do clube.

Originalmente da cidade de Cambará, o Matsubara mudou-se para Londrina, voltou para Cambará e mandou seus jogos da terceirona paranaense do ano passado em Santo Antônio da Platina. Nunca me incomodei com esse jeito nômade do Matsubara, afinal o Nuno Leal Maia, meu ídolo, já treinou o time, nos anos 1990. E ele trabalhou em Vereda Tropical, a novela mais futebolística do Brasil, então, o Japonesinho tem crédito demais comigo.

Recentemente, Grêmio Barueri e Guaratinguetá também trocaram de cidades e viraram Grêmio Prudente e Americana, respectivamente. Aí sim eu fiquei incomodado. E ficaria mesmo se o Nuno Leal Maia tivesse treinado um dos dois. Não que eu esperasse algo diferente de clubes fundados por empresários, sem o menor compromisso com as populações das cidades. Mas é que é chato pra caramba ver um time subir de divisão com um nome, escudo e camisa, e no outro ano estar totalmente camuflado, dando a impressão de que está com vergonha de onde esteve nos anos anteriores.

Mas, o que me incomodou de verdade foi o caso do Ituiutaba Esporte Clube. Fundado em 1947, não é time de empresário nem de prefeitura nenhuma. É do povo da cidade, que sempre o acompanhou, desde os tempos em que se chamava Boa Vontade.

A história do Ituiutaba não tem nada a ver com a de Guaratinguetá ou Grêmio Barueri. O Boa tem raízes na cidade do triângulo mineiro. Tem uma torcida fiel, que realmente se preocupa e acompanha as notícias do time. E que agora, no melhor momento de sua história, quando o clube está na Série B do Campeonato Brasileiro, vê os dirigentes carregarem o velho Boa para Varginha, cidade a 700 quilômetros dali.

O povo de Varginha não tem culpa de nada. Mas é óbvio que não vai se envolver com o Ituiutaba, agora rebatizado de Boa. Os ituiutabanos ficaram órfãos do tradicional time da cidade. E não será pecado nenhum se torcerem contra o amado clube.

Eu vou torcer contra. Não tem como ser diferente. E, se os ingratos dirigentes do Boa contratarem o Nuno Leal Maia para treinar o time, eu vou perder um velho ídolo da infância.