quinta-feira, 30 de junho de 2011

Futebol com meu velho

Uma das coisas que eu mais gosto na minha vida é ver futebol com meu pai. Não pelos jogos em si, que, geralmente, têm sido muito chatos hoje em dia, mas por todo o ritual que envolve aquele momento.

O jogo é às 21h50, mas ele começa a me ligar logo no início da tarde. O velho, tranquilão e com a vida ganha, sai do trabalho a hora que quer, mas, mesmo assim, sou eu que tenho que comprar a carne, a cerveja e o carvão. E mais! Temperar, gelar e assar!

A qualidade da cerveja e o tipo de carne pro churrasco variam de acordo com a importância da partida e dos nossos convidados. Picanha e cerveja de trigo pras finais, contra-filé e bock pros clássicos do inverno, e fraldinha e pilsen pros jogos corriqueiros.

Aparece muita gente chata, é claro. Torcedores do time rival. Gente que não sabe nem quantos lados tem uma bola de futebol. Um pessoal mais preocupado em filar a cerva do que em debater o esquema tático com os anfitriões. Meu pai e eu discutimos, nos acusamos, e colocamos a culpa um no outro sobre a presença daquele mala sem alça que fala mal do craque do nosso time, mesmo quando o jogo está 5 a 0 pra gente.

Eu adoro assistir ao futebol semanal da TV com meu pai. Não pelo jogo em si, que é o que menos importa. O que eu gosto mesmo é de ver meu velho resmungando, reclamando e confirmando pra si mesmo, com um sorriso irônico, que o público mais especial da sua arquibancada pessoal é o filho chato, que tempera, assa e gela. Os dois sabem que a vida é uma só. E fazem questão de curtir a presença um do outro enquanto têm força e saúde. E a permissão de Deus para serem tão felizes.

sábado, 25 de junho de 2011

A briga

Eu me lembro bem da noite em que o Roberto e o Tico brigaram. Foi por causa de uma falta do Genílson sobre o Sérgio Araújo, num Cruzeiro e Atlético, de 1987, salvo engano da memória cansada.

Roberto e Tico eram amigos inseparáveis. Mais que primos, mais que dois irmãos talvez. Da mesma idade, colegas de sala, um vivia na casa do outro. Iam pra escola juntos, almoçavam, jogavam bola depois da aula, seguiam pra igreja, tudo sem largar um do outro.

Cresceram e começaram a namorar duas irmãs. Marchavam juntos pra casa das moças e combinavam as mesmas mentiras quando queriam fugir mais cedo. O Tico fez 18 anos e ganhou um carro de presente, mas só o Roberto tinha carteira de habilitação. Isto não foi problema e os dois se viraram do jeito que dava.  Passaram juntos no vestibular e continuaram estudando na mesma sala.

Até que um dia foram juntos pro Mineirão. O Roberto atleticano e o Tico cruzeirense. Mas nem isto era empecilho pra eles. Acostumados a assistir ao clássico mineiro lado a lado desde pequeninos, sabiam se respeitar e conheciam o limite das brincadeiras entre vencedor e perdedor.

Mas aí, neste jogo de 1987, se não me falha a memória, o Sérgio Araújo, ponta-direita do Atlético, recebeu uma bola e partiu pra cima do Genílson, lateral-esquerdo do Cruzeiro. Os dois se embolaram, caíram no chão e o juiz mandou o jogo seguir. Roberto gritou que era falta. Tico falou que não tinha sido nada, que foi um lance normal. Roberto contestou, Tico não deixou barato, e então começou a discussão.

Eles nunca tinham brigado por nada. Um sempre cedia quando via que o outro estava mais exaltado. Mas, neste dia, o papo sobre futebol esquentou e tomou outros caminhos. Um falou sobre a família do outro, que retrucou fazendo insinuações sobre o caráter da namorada do amigo.

Foram embora sem se falar. Os dois com raiva, mas sabendo que aquela bobagem não iria durar muito.  Na segunda-feira, o Roberto não ligou pro Tico, que não passou na casa dele pra carona de costume. Na terça se ignoraram na faculdade. Quarta de silêncio. Quinta idem. Na sexta foram pra duas festas diferentes. Até que a distância se tornou habitual e Roberto e Tico nunca mais se falaram.

Cada um seguiu seu rumo na vida. Terminaram os namoros com as irmãs, seguiram profissões diferentes e se mudaram do velho bairro de infância. Nós, os amigos mais chegados, tentamos a reaproximação dos dois em várias oportunidades. Mesmo sem mostrar raiva um pelo outro, eles nunca toparam fazer as pazes. E jamais mais conversaram novamente nestes 25 anos.

Eu me lembro bem da noite em que o Roberto e o Tico brigaram. Foi por causa de um pênalti do Lenílson sobre o Márcio Araújo num Atlético e Cruzeiro, de 1985 ou 1986, salvo algum lapso da memória. Motivo melhor que este pra acabar uma amizade de infância eu desconheço.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O ato

Estavas trôpega, nervosa, ofegante
Suavas, gemias, gritavas
Olhavas no fundo dos meus olhos
Como se tentasses ler o futuro
Através do conforto desesperado que eu fingia te transmitir

Apertavas minhas mãos
Unhavas meus braços
Mordias meus ombros
Como se pudesses entender o sofrimento
Que eu não deixava transparecer pelo cheiro da minha pele

Tentei te conter
Em vão tapei tua boca
Até que explodiste em êxtase
Numa alegria traduzida em gozo
Num prazer para ambos indecifrável

Foi mágico, único, inesquecível
Um momento que transcenderá a própria eternidade
Mas me prometa, amor
Nunca, jamais, em tempo algum
Volte a comemorar um gol do nosso time
No meio da torcida adversária

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Êxodo

O caminho natural dos grandes jogadores de futebol é um clube do exterior. Dos médios e pequenos também.

Isto é normal. O dinheiro seduz, as oportunidades fora do Brasil são inúmeras, e a fama dos nossos boleiros corre mundo afora desde mil novecentos e vovó-franzina.

Alguns têm o talento e a sorte de ir para clubes como Milan, Real Madrid, Manchester United, Barcelona ou Arsenal. Outros vão para Boavista, Newcastle, CSKA, Shaktar Donetsk ou Fiorentina. Quem tem a bolinha um pouquinho menos cheia acaba parando no Nacional da Ilha da Madeira, no Hulk City ou no Kashiwa Reysol. Existe também a classe mais baixa dos futebolistas, os que têm a bola murcha demais pra jogar num grande centro. Estes vão parar em algum clube do Chipre, da Lituânia ou da Costa Rica, que não ouso escrever o nome aqui.

O fato é que sair de casa e mudar de cidade é uma coisa saudável. Seja por dinheiro, por status ou pela simples mudança de ares. Longe do seu ninho, você pode ganhar poder, fama, conhecimento ou ver uns lugares bacanas e um pessoal com hábitos diferentes.

Mas, complicado mesmo é mudar de cidade exercendo outra profissão. E por algum outro motivo.

Tem botânico que vai catalogar plantas desconhecidas. Arqueologista que vai desenterrar ossos antigos. Médico que vai curar doenças raras. Trapezista que vai saltar em outros picadeiros.

E tem jornalista que vai atrás de novos amores.

Talvez isto não o dê a fama de um atacante do Milan, o dinheiro de um armador do CSKA, a tranquilidade de um zagueiro do Nacional da Ilha da Madeira, ou o prazer de um goleiro que joga no Chipre. Mas, para alguns loucos, passear de mãos dadas com o novo amor, num domingo à noite, à beira do Rio São Francisco, vale mais do que todas as riquezas que já inventaram.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sílvia e Antônio

Alguns sábios dizem que a felicidade é planta que só dá uma vez na vida. Se você não colher na hora certa, já era. Outros falam que depende da semente que você plantou. E, que se fizer tudo certo, a safra é pra vida toda.

Como eu não entendo nada sobre colheitas, e ainda estou buscando saber o que é ser feliz, deixo pra vocês a história da Sílvia e do Antônio.

A Sílvia é linda. Daquele tipo de lindeza que quando ela sorri dá vontade de sorrir também.

O Antônio é tímido.

A Sílvia é divertida. Basta a presença dela no lugar pra tudo aquilo se transformar numa festa.

O Antônio é compenetrado. Um excelente profissional. Admirado pelos chefes e pelos subordinados.

A Sílvia namorava o João. Tão bonito quanto ela. Divertido e festeiro. O João era o cara que arrancava o sorriso escondido nas outras meninas da cidade.

E o Antônio namorava os livros. Porque tinha um concurso pra fazer no mês que vem e a vida inteira pra melhorar.

Um dia, o João pediu um tempo pra Sílvia. Porque queria explorar um sorriso diferente do dela.

E o Antônio pediu o mesmo pra vida dele. Porque precisava de um pouco de oxigênio.

O Antônio e a Sílvia se encontraram. Uma querendo a guerra e o outro a paz. E entre a ventania dela e a brisa calma dele, os dois resolveram tentar a harmonia num jardim diferente.

O João? Dizem que descobriu que se não colher na hora certa, a safra já era.

A Sílvia e o Antônio continuam plantando. E acreditando que, se tudo der certo, a felicidade vai ser pra vida toda.

terça-feira, 7 de junho de 2011

O primo mala

Na era do politicamente correto, é quase heresia eu dizer que morria de vontade de dar umas porradas no meu primo Rafael, dez anos mais novo que eu, um tempinho atrás. Paciência zero, tolerância idem. Só mesmo vontade de espancar o moleque.

Eu tinha razão. Que sujeitinho chato, implicante, dono da verdade e petulante. E olha que eu jamais fui de violência. Nunca levantei a mão nem pra espantar mosca, mas o tal Rafael me tirava do sério. E por muito pouco não levou uns tabefes.

Ele era o típico carinha que gostava de cutucar. De colocar tachinha na cadeira dos outros. De cantar Parabéns pra Você atravessado nos aniversários. De reclamar da música que meu avô escutava no rádio. Enfim, a melhor personificação da palavra 'pelinha'.

Mas aí o tempo passou e o Rafael cresceu. Eu também amadureci e, aos poucos, fui criando afinidade com o moleque. Tocamos violão juntos, ele dirigia meu carro escondido dos pais, e o primeiro copo de cerveja do garoto saiu da garrafa que eu comprei.

Criei tolerância, é claro, mas foi por causa dele. Aos poucos fui entendendo que ele era tão chato quanto eu quando era garoto. Que as macaquices dele eram inspiradas nas minhas. E que a necessidade de chamar a atenção dos outros era comum a nós dois.

Já erámos parceiros, quando um lance inesperado dele, me tornou seu fã. Meu tio, pai do Rafael, é torcedor do time rival ao meu, e por respeito a isso, nunca levei o moleque ao Mineirão e nem tentei convencê-lo a mudar de lado. Tem coisas na vida do homem que são sagradas e devem ser imaculadas. Até que o guri veio e me pediu para ir ao campo comigo porque queria ver meu time, já que torcia pra ele em segredo desde criança, porque queria ser como eu.

Puxa vida... tem algumas coisas que marcam a gente, e nunca vou me esquecer do porre que tomei com meu primo mala naquela noite de quarta no Mineirão.

É bom aprender com a vida e com os mais jovens. De priminho mala, o Rafa se transformou num dos meus melhores amigos. Hoje a diferença de idade nem é tanta, já que o caboclo é cidadão formado e respeitado, mesmo que pra mim ainda seja o mesmo moleque petulante dos seus tempos de infância.


* Para meu primo Rafael. Sim, ele existe!

O Fenômeno e eu

Sou de um tempo em que os ídolos de infância eram ídolos mesmo. Daqueles que ficavam nos mesmos clubes por anos e anos. Todos nós queríamos ser como eles. E éramos, de fato, pelo menos na nossa imaginação e nas peladas de rua.

Eu já fui Zico, Joãozinho, Reinaldo e Falcão. Fui Renato Gaúcho contra o Hamburgo e Bobô na final com o Inter. Tive meus dias de Casagrande, de Roberto Dinamite e de Romerito. E quando, quase adulto, já não tinha idade para ser mais ninguém, sonhei em ser Ronaldo.

Ronaldo Luís Nazário de Lima é apenas dois meses mais velho que eu. Pela proximidade geográfica e meu fanatismo pelo futebol, acabei acompanhando bem de perto seu início no futebol, mesmo já sem pretensões de ser atleta profissional, como tive até lá pelos meus 12 ou 13 anos.

Os sonhos que eu tinha quando menino deviam ser bem parecidos com os dele. E ele os concretizou de uma forma que eu jamais imaginaria, nem nos meus devaneios mais delirantes.

Ronaldo conquistou o mundo. Venceu, fez gols, se divertiu, teve mulheres, dinheiro e fama, como todo garoto sonha um dia. Mas também teve dor, sofrimento e angústias, o que faz a sua história real e concreta, bem diferente do conto de fadas da minha cabeça de guri.

O Fenômeno parou de jogar. E me sinto grato por ter visto toda sua carreira e ter vivido parte dos meus sonhos através dos sonhos dele, num mundo de fantasia que nunca abandonou meu coração de criança.