quinta-feira, 31 de maio de 2012

Torcedores, jornalistas e as redes sociais

Eu me lembro de uma crônica do Luís Fernando Veríssimo, publicada originalmente no livro ‘O Analista de Bagé’, de 1981, em que um gaiato, tentando conquistar uma garota, fala milhões de mentiras pra ela. Entre as lorotas, o picareta defende ferrenhamente a reforma agrária no Brasil, até que a moça pergunta se a ideologia também vale para a fazenda do pai dele.

Ele pigarreia e enrola, até que não consegue mais evitar e manda a pérola:

- Eu não sou contra a reforma agrária. Teoricamente, sou a favor. (...) Você não entende? Agora não é teoria. Agora são as terras do velho!

Com os torcedores de futebol, nas redes sociais, é mais ou menos a mesma coisa. Quando um jornalista elogia ou aponta algum ponto positivo no time de coração do sujeito, ele faz questão de dizer para meio mundo que o cara é o melhor profissional do planeta. Um novo Nélson Rodrigues, o Armando Nogueira da nova geração, o Cásper Líbero dos nossos dias. Praticamente a reencarnação do Barbosa Lima Sobrinho.

Mas, se o caso é o contrário e o jornalista critica ou mostra algum defeito no planejamento, esquema tático ou jogador do time do sujeito, a situação muda totalmente. Então, ele urra para o mundo todo que o cara é o pior entre os mais horríveis profissionais do universo. Um novo Osama Bin Laden, o Charles Manson da nova geração, o Jack Estripador dos nossos dias. Praticamente a reencarnação de Adolf Hitler.

Até aí, tudo bem. Ninguém é obrigado a concordar com ninguém, muito menos quando se trata de futebol. Opiniões são quase sempre divergentes, até mesmo em torcedores do mesmo time. Mas, respeito é bom e todo mundo gosta.

Não concordar com o que um jornalista fala é direito de todos. Questionar e criticar são praticamente deveres. Mas isto não permite a ninguém agredir o profissional, mesmo se o que foi dito ou escrito seja um absurdo, na visão do torcedor.

Isto é o que mais se vê nas redes sociais nos dias de hoje. Torcedores ameaçam, achincalham e ofendem jornalistas, como se isto fosse um esporte. Sem regras, é claro. O que os dá o direito de fazê-lo? Só porque estão em ambientes virtuais, as pessoas se sentem seguras e protegidas pelo anonimato, a ponto de cometerem verdadeiras barbaridades pela Internet?

A identidade não revelada não é escudo para que qualquer tipo de besteira seja feita. A Internet permite que algumas pessoas cometam atos que jamais teriam coragem de cometer pessoalmente. Então, é bom que os torcedores passem a ter mais respeito e educação ao interagir com um jornalista nas redes sociais, sabendo que, do outro lado do computador, também está um cidadão que paga contas, toma vacinas e tem fome e sede. É bom abrir o olho, porque nem sempre a reforma agrária chega só à fazenda do vizinho.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Injustiça?

Não existe placar injusto num jogo de futebol. Se nenhum fator externo influir no andamento normal de uma partida, tudo o que acontecer em campo será reflexo do que os dois times apresentarem.

Há uma grande lista de fatores externos, entretanto, que isto fique bem claro. Chuva, frio e calor extremos podem favorecer uma equipe mais acostumada a jogar em determinadas condições meteorológicas. A famigerada altitude, que faz da seleção boliviana e dos clubes do país bravos leões dentro de casa e mansos gatinhos fora, é outro exemplo clássico. O principal, porém, é a arbitragem. Os erros dos juizões, frequentes mundo afora, são tão ou mais influentes no placar de um jogo quanto o desempenho do melhor craque em campo.

É muito comum ouvir que houve injustiça no placar de um jogo no qual um time que atacou durante a maioria do tempo perdeu para outro que se defendeu os 90 minutos e só foi uma vez na área adversária. Mas que, mesmo assim, conseguiu vencer por um magro e valioso 1 a 0.

Onde está a injustiça aí? Das seguintes hipóteses, uma certamente é verdadeira. Ou os atacantes do time perdedor não tiveram competência para fazer os gols, ou a defesa adversária conseguiu evitar todas as chances criadas, ou, então, foi o goleirão da equipe vencedora que viveu seu dia de herói. Tudo isto faz parte do jogo e é o que torna o futebol este esporte tão imprevisível, mágico e fascinante.

O dilema que surge a partir daí, então, é sobre o merecimento, já que um time buscou a vitória insistentemente e perdeu. Enquanto o outro, que só se preocupou em não ser derrotado, saiu de campo vitorioso.

Exemplos para isto também não faltam, já que a Itália, quatro vezes campeã mundial, pratica um esporte feio, e muito parecido com o futebol, como dizem os críticos mais ácidos do estilo de jogo da Azurra.

Merecidas ou não, o fato é que não existem vitórias injustas no futebol. E é por isso que o esporte continua sendo o mais popular do planeta, e será assim para sempre. Porque só ele tem o poder de mobilizar mais países que a ONU, de parar uma guerra por alguns dias e de fazer com que o mais fraco tenha chances reais de vencer o mais forte. Desde que não neve na altitude. E que o juizão não colabore com o adversário poderoso, é claro.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Fazendo história

Mesmo as melhores coisas da vida, quando repetidas insistentemente, perdem um pouco da graça. Visitar um lugar fantástico pela segunda vez pede um novo roteiro. Um prato fino, elaborado por um renomado chef, se degustado com frequência, exige uma pitada a mais daquele tempero raro. Até um leve toque na pele da mulher amada precisa ser renovado com nova dose de paixão, para que a chama que mantem vivo o amor não se arrefeça.

Com as palavras é a mesma coisa. Talvez um pouco pior. A repetição demasiada estraga uma poesia, deixa uma música cansativa e faz com que uma frase repleta de sentido se transforme num simples amontado de letras.

Eu me lembro da primeira vez em que ouvi um narrador esportivo dizer que um atleta estava fazendo história. César Cielo ganhou a primeira medalha de ouro da natação brasileira na história das Olimpíadas, na China, em 2008, e a frase me emocionou de verdade. Senti que era testemunha de algo realmente importante e marcante no esporte nacional, não só pela conquista em si, mas pelo que a frase ‘fazendo história’ despertou em mim.

Acontece que conseguiram estragar a frase, como fazem com quase todas as coisas boas do mundo. Porque, depois do Cielo, um monte de gente ‘fez história’ por aí, mesmo com façanhas, digamos, menos louváveis do que ganhar uma medalha olímpica.

Tiquinho Botucatu fez história ao marcar o primeiro gol de pênalti do time sub-20 da Matonense, contra a Ponte Preta, no Moisés Lucarelli. Ana Maria da Silva fez história ao ser a primeira mulher a correr os 400 metros rasos com uma bandana roxa na cabeça, na pista do Mangueirão, em Belém. O XV de Quixeramobim fez história ao contratar Juanito Mendoza, o primeiro venezuelano do futebol cearense. Pô! Que coisa mais chata! Banalizaram a frase que tanto me marcou.

Mas, mesmo assim, ainda me lembro da primeira vez em que a ouvi e do quanto ela foi significativa. Sim, porque me fez pensar se eu também estava fazendo história ou deixando minha vida passar em brancas nuvens.

E você? Está fazendo sua história? Está sendo um bom irmão e tem tratado seus pais com honra? Você tem sido leal a seus verdadeiros amigos? Está se dedicando com garra nas suas tarefas cotidianas? Você é fiel e correto com a pessoa que você ama?

O que mais, além de ser honesto com os outros e consigo mesmo, é necessário para fazer história? Você tem visitado lugares incríveis? Provado sabores exóticos e inéditos? Você tem tocado com carinho especial a pele da mulher que você ama? Ou está dando uma de Tiquinho Botucatu e se contentado em usar sua bandana roxa na cabeça, enquanto canta o hino da Venezuela?


Para o amigo Leonardo Simonini, que, como não fez história jogando baralho, tenta fazer no jornalismo, junto comigo, todos os dias

Estatísticas

Estatística é uma matéria que, por motivos óbvios, faz parte da grade curricular do curso de jornalismo. E que, por motivos mais óbvios ainda, tem um índice gigantesco de reprovação. A explicação mais fácil de aceitar é que estudantes de jornalismo não levam muito jeito com números e dados. Tudo bem, vá lá!

O problema começa quando, já formados, os profissionais chegam às redações. Como tabelas com estatísticas, proporções, variáveis e médias são traumáticas, há muito tempo, cada um dá um jeito de se virar com elas como pode.


- ‘Brasil desperdiça 40% da água destinada ao consumo humano’.

- ‘Três quartos da população mundial abaixo da linha da pobreza vivem na África’.

- ‘Aluguel em BH sobe duas vezes mais que a inflação’.


As três manchetes são verdadeiras, tristes e sem graça. Quando um jornalista recebe dados como estes, deve estudar suas causas, propor soluções para os problemas, e apresentar os fatos a seus leitores. Quanto aos números, não há nada a fazer, a não ser publicá-los, já que eles são frios, imutáveis e impessoais.

No futebol, entretanto, tudo pode ser diferente. Não que os jornalistas esportivos sejam mentirosos ou mal-intencionados, muito pelo contrário. Os números é que permitem várias formas de serem expostos para as fanáticas torcidas mundo afora. Sem nenhum tipo de mentira. O diferente aqui é a forma de interpretá-los. Vamos a alguns exemplos.


- Zezinho Bambu, virtuoso atacante do Arranca Toco Futebol Clube, tem média de um gol por jogo contra o Esmaga Sapo Esporte Clube, jogando na casa do adversário. Verdade! Tudo bem que ele disputou apenas uma partida na temida Sapolândia. Há quatro anos, é bom lembrar. Aliás, este foi o único gol de Zezinho Bambu como jogador profissional, justamente contra o rival.

- O goleiro russo Igor Shostakovsky nunca sofreu gols em jogos contra países da antiga União Soviética, em partidas válidas pelas eliminatórias da Eurocopa, atuando em Moscou. Verdade!  Foram dois jogos, um contra o Turcomenistão, e outro contra a Moldávia, 7 a 0 e 4 a 0 para a Rússia. E, em um deles, Shostakovsky entrou aos 44 minutos do segundo tempo.

- Jogando com a camisa 22, Pelé nunca fez gols reconhecidos na contagem oficial da FIFA. Média de zero gol para o maior jogador de todos os tempos. Verdade!

- O XV de Quixeramobim jamais foi derrotado fora do Ceará, jogando numa quinta-feira à noite, num dia 17, usando seu uniforme reserva. Verdade! Sua única partida fora do estado foi um amistoso contra o ABC, em Natal, no longínquo 1972. Terminou 8 a 0 para o ABC, mas foi domingo, de manhã, dia 30, e o XV estava com seu jogo de camisas principal.

- O Touro Bravo FC nunca perdeu uma partida oficial com João Picolé e Ubaldino Sergipano juntos em campo. Verdade! Um jogou entre 1942 e 1949, e o outro entre 1999 e 2007.


Cada um faz o que quer e o que consegue com os números, no jornalismo esportivo. Tudo é válido e, desde que seja verdade, não há problema algum.  Fica, então, a frase do famoso Homer J. Simpson, chefe de segurança em uma usina nuclear dos Estados Unidos.

- As pessoas inventam estatísticas para provar qualquer coisa, 40% sabem disso.

terça-feira, 8 de maio de 2012

As novas coletivas – parte III

As entrevistas coletivas no mundo do futebol nunca seriam mais as mesmas, depois das retumbantes aparições do repórter maluco nas salas de imprensa Brasil afora. A presença do controverso personagem e suas pitorescas questões não seriam, entretanto, bem quistas pelo dito sério mundo esportivo. Nem de longe.

Como a hipotética e irônica figura seria conhecedora plena de diferentes livros, filmes e culturas, logo usaria, como refúgio, justificativa ou proteção, a célebre frase do pintor e cineasta norte-americano Andy Warhol a seu favor:

- No futuro, todos serão famosos por 15 minutos.

Sendo assim, o repórter maluco, sabendo da brevidade e dos derradeiros momentos de seus holofotes, tentaria as últimas perguntas de sua carreira entre as personalidades esportivas deste mundo:


- Você acredita em vida após a morte?

- Cante uma música com a palavra solidão.

- Cowboy ou on the rocks?

- Você e sua esposa são adeptos do sadomasoquismo?

- Me dá um real?

- Em estrada de paca, tatu caminha dentro?

- Você é primo do Lôxa?

- Quantas cartas você quer?

- O que o papagaio português falou para a loira bêbada?

- É pavê ou pacomê?

- Você já contratou capangas para algum serviço sujo?

- Como você se sente quando olha para o banco e vê um treinador bobalhão?

- Cite três pessoas que você mataria.

- Você não acha que está precisando fazer uma dieta?

- Pinguins têm joelhos?

- Você gosta de verdura?

- Onde fica Dudinka?

- O que está pensando em fazer com esse dedinho?

- Qual a capital de Uganda?

- Você me dá uma carona quando sair daqui?


Plenamente consciente de que esta seria a última de suas aparições em público, o repórter maluco faria uma saída triunfante da sala de imprensa. Ele tomaria a repórter de TV mais linda em seus braços, e daria nela um longo beijo apaixonado.

Depois, sumiria para o anonimato. E esperaria 20 anos para que a moda de sua década voltasse à tona para ter os seus 15 minutos de fama renovados.


Para o excelente – e quase nada maluco – repórter Fernando Martins Y Miguel. Brasileiro, ao contrário do que o nome supõe.

sábado, 5 de maio de 2012

As novas coletivas – parte II

As perguntas do imaginário repórter maluco seriam consideradas, por muitos, insólitas e inusitadas. Num primeiro momento, ele pensaria em parar e mudar o rumo de sua carreira, já que a polêmica gerada poderia ter desagradado muitas pessoas. Algumas importantes, como jogadores, treinadores e dirigentes de futebol.

Existem coisas, porém, que mexem com a cabeça de um homem. Seja no presente ou no futuro do pretérito, tanto faz. A alta audiência e a fama inesperada fariam com que o repórter maluco se tornasse uma dessas novas celebridades instantâneas. Ele seria convidado para vários programas de TV, seria capa de revistas e daria entrevistas para muitos jornais e sites. Logo ele, que até há bem pouco tempo atrás, era quem mais perguntava.

Inteligente e perspicaz como ele só, o imaginário repórter maluco saberia que seus dias de celebridade seriam poucos. Assim sendo, ele iria aproveitar os holofotes para apimentar ainda mais as entrevistas coletivas nos clubes de futebol do Brasil, com perguntas como estas:

- Você já participou de alguma matança?

- Enfiar o dedo no olho de um adversário é antiético?

- Qual pastel é mais gostoso? De carne ou de queijo?

- Já tomou um coice de mula?

- Você contracenaria com Kid Bengala numa produção caseira?

- Você se arrepia com bafo na nuca?

- Qual a melhor marca de fraldas descartáveis?

- Tomate é fruta ou legume?

- Você já desfilou na ala das baianas de alguma escola de samba?

- Você tem alguma coisa a ver com a linha evolutiva da música popular brasileira?

- Você seria sparring de Anderson Silva?

- Chicotes, correntes e algemas fazem parte de sua rotina sexual?

- Quanto você ganha?

- Você jogaria uma partida beneficente somente de tanga?

- Você trai sua esposa com alguma Maria Chuteira?

- Qual é seu Beatle favorito?

- Dicró ou Di Caprio?

- Dê sua opinião sobre as ogivas nucleares do Irã, um promissor mercado da bola.

- O que você achou da decoração da nova sala de imprensa do clube?

- Vamos tomar um drink esta noite?