quarta-feira, 29 de maio de 2013

Socando políticos


Semana passada, em um restaurante do Horto, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, colado no Jardim Botânico, o músico carioca Bernardo Botkay e sua namorada se levantaram da mesa em que jantavam, foram até onde Eduardo Paes, o prefeito da cidade, também comia com a esposa, e começaram a xingá-lo. Ficaram por ali, falando o que queriam com o político, por cerca de dois minutos. O termo mais recorrente dito pelo casal foi ‘seu bosta’. A brincadeira perdeu a graça e os dois voltaram para a própria mesa.

Ainda insatisfeitos com a reação do prefeito e com a quantidade de impropérios que tinham falado até então, o músico e a namorada voltaram ao posto e continuaram a atacar Eduardo Paes. Até que o político chegou ao seu limite, perdeu a paciência e acertou dois socos no rosto de Bernardo. Tudo sob os atentos olhares de uma preparada equipe de seguranças, é bom que se diga.

Se os detalhes da confusão estão perfeitamente relatados ou não é indiferente, porque não fugiu muito disso. Tomando como base o que Botkay postou no Facebook, Paes divulgou através de sua assessoria e os relatos da imprensa e da polícia, a história é praticamente esta. Aquele típico conto onde não há mocinhos, heróis nem final feliz. Assim mesmo, triste, deprimente e melancólico.

Não quero aqui fazer uma análise da vida pública de Eduardo Paes. Simplesmente porque não vem ao caso. Tenho minha opinião formada sobre o prefeito do Rio. Sei quem ele é, o que fez de bom e de ruim, quem são seus amigos e seus inimigos, quais são seus planos políticos e do que ele é capaz para atingir seus objetivos. Mas, repito, isto não é importante nesta passagem do restaurante do Horto, ainda mais diante da reflexão que este texto quer propor.

Se desde o princípio, o ato de Bernardo Botkay pareceu estúpido e infantil, no final das contas, confirmou tudo isto e acabou por fortalecer a imagem de Eduardo Paes aos olhos da população. Sim, porque se o prefeito está sendo visto por alguns como um homem impulsivo e violento, pela reação que teve, também está sabendo se posicionar diante da mídia como uma vítima que defendeu sua honra e protegeu a esposa diante de uma agressão gratuita em um momento reservado. Ainda mais numa sociedade na qual os jovens não hesitam em expor posições políticas de extrema direita, onde fazer justiça com as próprias mãos é cada vez mais comum. Enfim, Paes deve agradecer a Botkay pela injeção de popularidade que ganhou e que as próximas pesquisas de opinião vão confirmar. Imagina a festa...

Agredir fisicamente – ou verbalmente – outro ser humano nunca foi solução para nenhum problema na Terra. Ainda que você ache que o outro mereça o castigo ou que se sinta realizado com o que fez. O dia seguinte não demora muito a chegar e algumas perguntas óbvias não vão abandonar sua cabeça.

- Valeu a pena? Alguma coisa realmente mudou? Eu me sinto melhor com o que fiz?

Mas, se após todas as reflexões e respostas, você ainda achar que atacar um político na mesa ao lado de um restaurante valha a pena, que seja ele a deixar o lugar sangrando e não você.


sábado, 18 de maio de 2013

O barraco do Tonim


O barraco do Tonim nunca foi lá essas coisas. Apenas quatro cômodos, sem reboco, chão batido, nada de piso, banheiro do lado de fora e muitas goteiras. Tá certo que era firme, todo feito de tijolos e longe da encosta do morro, uma garantia de segurança nos tempos de chuva, o que por si só já fazia do barraco do Tonim um dos melhores daquela região do aglomerado.

A Guiomar sempre se queixava com o marido. Pedia pra ele dar uma guaribada aqui, uma ajeitada ali e uma reparada acolá. Mas o Tonim enrolava, dizia que não tinha tempo nem dinheiro pra reformar o barraco e a vida ia seguindo do jeito que estava. A Guiomar, o Tonim e os cinco filhos, apertados no barraco.

Até que um dia, alguns homens de terno, gravata e sapatos caros subiram o morro. Anunciaram a todos, em vários idiomas, que iam organizar uma grande festa ali. Dessas de arromba, inesquecíveis, para fazer história. Escolheram o barraco do Tonim como principal ponto de apoio do evento, após uma disputa com outros muquifos da vizinhança. Tonim ficou orgulhoso com a vitória sobre os casebres rivais e comemorou com a criançada. A Guiomar, sem entender muito bem tudo aquilo, olhava para o marido com cara desconfiada, enquanto ele ficava rindo sozinho, imaginando a festa.

Os homens de terno, gravata e sapatos caros, que falavam vários idiomas, logo viram que o barraco do Tonim era precário e precisava de muitas melhorias para receber a grande festa. Fizeram uma lista de exigências e deram prazos para ele, que se comprometeu a deixar o barraco no jeito para uma ocasião de tamanha importância como aquela. A Guiomar, coitada, continuava alheia a tudo. Era tão dona do barraco quanto Tonim, mas não tinha sido consultada nem ouvida em nenhum momento.

Entusiasmado com as tarefas que tinha recebido dos homens de terno, gravata e sapatos caros, Tonim começou a trabalhar. Fez um orçamento para saber quanto ia gastar para cumprir todos os itens exigidos por aqueles que falavam vários idiomas. Guiomar se irritou, ao perceber que o marido planejava usar as poucas e suadas economias da família para resolver problemas supérfluos e menos importantes do que a saúde, o bem estar, o conforto e até mesmo a alimentação dos filhos. Convicto do que fazia, Tonim se justificava para a esposa, dizendo que a grande festa ia deixar um legado histórico para a família e para o barraco.

Os problemas de Tonim, entretanto, não demoraram a aparecer. Para cada real que inicialmente planejou gastar, teve que desembolsar mais dois. As obras no barraco estavam atrasadas e os amigos da comunidade que foram convidados para ajudar Tonim no trabalho pareciam querer se aproveitar dele e tirar vantagem no que podiam. Um exemplo disso foi o puxadinho feito na parte leste da casa, que, além de estourar todos os cronogramas dos homens de terno, gravata e sapatos caros, custou dez vezes mais que o previsto. Guiomar já não conseguia mais conter a indignação, ainda mais porque via os filhos acreditando cegamente nas loucuras e promessas que o pai fazia. Segundo Tonim, um dia eles iriam usufruir todos os benefícios que estavam sendo feitos no barraco.

O dia da festa chegou. O barraco estava lindo, pintado, iluminado e com novos móveis. Azulejos, piso importado, copos de cristal e uma medalha de ouro num altar. Com a urgência dos prazos, alguns detalhes ficaram pendentes, mas Tonim não se importou em escondê-los como poeira embaixo do tapete persa que estava na sala. O anfitrião, maravilhado com a multidão de gente que conversava em vários idiomas, não tinha tempo para reparar nos filhos, que, por causa dos gastos extravagantes do pai, não iam mais à escola, adoeciam com frequência e não se alimentavam direito. Cansado das constantes críticas de Guiomar, Tonim seguiu o conselho dos homens de terno, gravata e sapatos caros e mandou a esposa e a criançada para a casa da sogra, num barraco distante do seu.

Algum tempo depois, a festa acabou. Não demorou muito para levarem embora do barraco do Tonim os móveis, os lustres, o piso importado, o altar e os copos de cristal. Levaram também o tapete persa, mas, por algum motivo desconhecido, deixaram a poeira para trás. Só havia restado a medalha de ouro, mas Tonim viu, impotente, um homem de terno, gravata e sapatos caros colocá-la dentro no bolso, antes de sair do barraco.

Exausto e se sentindo traído, Tonim procurou alguém que falasse vários idiomas para receber alguma explicação. Mas todos eles também já tinham ido embora. Desesperado, se lembrou de Guiomar e dos filhos, mas quando se deu conta de que eles nunca mais voltariam porque nenhum legado havia restado daquela festa, sentou no chão e chorou. Não por se sentir só e estúpido, mas por perceber, naquela hora, que tinha perdido o que tinha de mais puro dentro de si: sua dignidade.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

Padronizaram o Zé Luís


Zé Luís era um sujeito autêntico, de personalidade marcante e extremamente carismático. Era popular, tinha muitos amigos e fazia sucesso com a mulherada. Nunca teve frescura, frequentava todos os tipos de ambiente e respeitava as diferenças e particularidades de cada pessoa. Enfim, Zé Luís era um cara legal, daqueles que todo mundo tem vontade de ter como amigo.

Boêmio e amante da noite, Zé Luís não dispensava uma boa roda de samba e um show de rock. Gostava de cerveja, torresmo, frango com angu e cachaça. Não se importava com roupas de marca, carros importados e relógios caros. Estava feliz de bermuda, chinelo e camiseta. Zé sabia aproveitar a vida com responsabilidade. Sempre foi bom filho, bom aluno e um trabalhador exemplar.

Até que conheceu Sofia, uma linda moça de família rica. Criada como princesa, estudou nos colégios mais caros, morou em Paris e teve do bom e do melhor durante toda a vida. Era chamada de Fifa pelos amigos. Foi amor à primeira vista. Zé Luís nunca havia sentido nada parecido. Fifa também. Saíram algumas vezes e começaram a namorar.

No começo do relacionamento, Fifa achava graça no jeito largado e espontâneo de Zé Luís. A família da moça também gostou dele. Mas praquela história dar certo, eram necessários alguns ajustes no modo de Zé Luís se vestir e se comportar.

O rapaz estranhava os presentes que ganhava da moça. Não combinava com ele. Mas Zé Luís gostava tanto da Fifa que não se importou em ceder e mudar um pouco o estilo de ser e de viver.

Zé Luís passou a beber vinho e a ouvir jazz. Começou a usar camisa polo da Lacoste, com a blusa de frio enrolada no pescoço, relógio combinando com a cor da camisa e sapatênis. Festas e shows somente na área VIP. Passou a pentear o cabelo para trás, com muito gel. Deixou a pelada semanal com os amigos do bairro pra malhar numa academia do shopping. Comprou um Veloster. Assinou a Veja.

Não teve jeito. A Fifa padronizou o Zé Luís.


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Levando desaforo pra casa


Desde criança ouço as pessoas falarem que Fulano, Beltrano e Cicrano não levam desaforo pra casa. Que se um dos três ouvir ou vir qualquer coisa que o desagrade ou o faça se sentir ofendido, vai lá e resolve a questão na hora, da forma que for possível. Na minha imensa ingenuidade juvenil, eu achava aquilo bonito. Pra mim, estava tudo certo. Um homem de verdade tinha que defender sua honra e seu nome. E, por mais que ouvisse dos meus pais que aquilo tudo era uma grande besteira, eu cismei que seria como Fulano, Beltrano e Cicrano e que jamais levaria um desaforo pra casa.

Ainda bem que não usei essa máxima por muito tempo na minha vida. Não foi difícil perceber que era mais fácil conversar do que brigar e pedir desculpas do que perder um amigo. É claro que em algumas ocasiões tive vontade de resolver da forma mais violenta, mas nada que uma boa oxigenada no cérebro, depois de ter contado até dez, não tenha consertado.

Sendo assim, Fulano, Beltrano e Cicrano e os desaforos que nunca levavam pra casa se tornaram figuras obsoletas e ridículas para mim. Como tinha ficado mais maduro e racional, achei que para todas as pessoas. Mas foi aí que me enganei completamente.

Está cada vez mais comum ver algum discípulo dos três amigos bater no peito e gritar o bordão:

- Eu não levo desaforo pra casa!

E aí tome briga no trânsito, no campo de futebol, no bar e até mesmo na festa de família. Parece ser questão de honra estar com a razão em uma conversa e se alguém discorda do Fulano é briga certa. Esbarrar no Beltrano numa boate é sinônimo de pancadaria e quebradeira. Uma brincadeira sobre a derrota do time do Cicrano e o tempo fecha. E se algum infeliz entrar na frente do carro de um dos três, numa rua engarrafada, o velho tresoitão vai sair do porta-luvas.

Quanto mais o tempo passa, mais eu vejo gente que se orgulha da fama de valente e brigão, quando deveria ser exatamente o contrário, já na metade da segunda década do século XXI. Homens e mulheres, jovens e velhos, não importa.

Uso uma citação do indiano Mahatma Gandhi para finalizar esta história. “Olho por olho e o mundo acabará cego”. Tomara que não.


P.S. – Beltrano morreu numa briga de bar, após uma discussão boba com um vizinho. Cicrano está preso, depois de ter agredido um idoso na porta de um estádio. E Fulano vive triste e arrependido, sem nenhum amigo ou parente com quem falar. Todos têm medo de Fulano porque ele nunca leva desaforo pra casa.