quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Nas ondas do rádio

Eu imagino que todos os jornalistas esportivos do Brasil tenham ingressado na profissão inspirados pelo rádio. Mesmo os que não trabalham em alguma emissora que navega ondas radiofônicas por aí, como eu.

Generalizo tanto e de forma tão radical porque vejo nos meus colegas de redação e de coberturas Brasil afora, a mesma paixão, ao ouvir algum gol do passado na voz de um antigo locutor.

É instintivo entre nós tentar imitar o ídolo das velhas ondas curtas. E tem sempre um repórter, câmera man ou operador de som que consegue a entonação certa, o cacoete vocal exato ou o tom afinado que deixa a brincadeira de clonar a voz do velho narrador quase idêntica.

Trata-se de uma brincadeira educacional, para crianças de todas as idades. Mesmo que nenhum professor, pedagogo, ou o próprio MEC, reconheça isto. Ainda.

Imagine uma turma de uns oito, nove garotos, entre sete e onze anos. Todos na casa de um deles. Dia de chuva, sem nada pra fazer fora dali. A opção óbvia é um campeonato de jogo de botão na sala.

Não importa a fórmula de disputa, o certo é que vai ter jogo pra caramba pela frente naquela tarde chuvosa. Enquanto uns jogam, outros brigam e algum gordinho atrevido tenta assaltar a geladeira da casa do colega, o narrador-mirim, futuro jornalista, narra a partida e imita seu locutor preferido. Alberto Rodrigues, Willy Gonzer, Milton Naves, Oswaldo Reis, tanto faz, pode ser qualquer um. O que vale mesmo é a diversão de se sentir a voz daquele espetáculo fantástico.

Se a maioria dos colegas foi embora antes do fim do torneio, e, se o próprio time não se classificou nem para a repescagem do grande campeonato, pouco importa para o jovem locutor. A emoção de narrar aquela final, com riqueza de detalhes, bordões e brados heróicos já valeu a diversão da semana. Quem sabe isso, um dia, não vira profissão?


Dedicado a todos os jornalistas esportivos Brasil afora

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Robin Hood

Ouvia dizer, desde os meus tempos de menino, que um tal Robin Hood roubava dos ricos para presentear os pobres. Eu achava aquilo muito legal e justo, mesmo sem nunca ter ouvido alguém falar de Karl Marx ou mais-valia que o valha naqueles meus tempos de jardim de infância.

Era lógico pra mim àquela época. Se uma pessoa tinha um milhão de moedas no banco e a outra só levava dez nos bolsos, por que não dividir a riqueza das duas, em partes iguais, para que todos ficassem felizes do mesmo tanto? A injustiça do mundo acabaria ali. Fácil assim.

Aprendi que as coisas não são desse jeito na vida real. E, se meu ídolo Robin Hood existiu mesmo, deve ter feito sucesso na Floresta de Sherwood em 1400 e alguma coisa, mas, certamente, não teria paz no mundo de hoje, que conheço bem.

O fato é que eu comecei a gostar dos Robin Hoods da vida moderna. Principalmente os da bola. Sim, daqueles times pequenos que ganhavam dos gigantes do futebol brasileiro para depois perder para outros menores que ele.

O Botafogo da Paraíba mesmo é um baita Robin Hood. Tem nome pomposo, de bairro chique e time campeão no Rio de Janeiro. Mas, na verdade, tadinho, só é forte mesmo lá em João Pessoa, e olhe lá!

Uma vez, em 1980 – e isto é história verídica! – o Botafogo genérico foi ao Rio de Janeiro que inspirou seu nome. O jogo era simplesmente contra o Flamengo, que venceria o Brasileirão alguns meses depois e o Mundial no ano seguinte, com praticamente o mesmo time.

E não é que o Fogão paraibano fez 2 a 1 no Mengão de Zico, Nunes, Adílio & Cia., em pleno Maracanã? Tudo isso para, alguns dias depois, perder de seis para a Ponte Preta, em Campinas.

Que time grande no mundo nunca sofreu com o seu Robin Hood pessoal? E quantos Jabaquaras, Democratas, Bonsucessos ou Aymorés da vida não viveram seus dias de Príncipes dos Ladrões mundo afora?

Eu só sei que morro de rir com os Robin Hoods ludopédicos até hoje. Porque parece que, mesmo por um breve momento, parte das injustiças do mundo foram resolvidas. E que algum time de dez moedas nos bolsos é maior do que aquele com um milhão no banco.

sábado, 15 de janeiro de 2011

A zebra

Eu torço pra um time grande no Brasil. Fundador do Clube dos 13 e coisa e tal. Presente em todos os almanaques e álbuns de figurinhas possíveis na minha infância. Sala de troféus abarrotada. Galeria de ídolos com mais de 50 tiozinhos com foto na parede. Meu time é tão bom que tinha que disputar o Campeonato Europeu, a Liga Universal ou a Copa Interclubes das Galáxias!

Mas como não existiam estes certames fantásticos na minha infância – e acho que não os inventaram até hoje – eu passava metade do ano vendo os campeonatos regionais. E torcendo pra que algum Alfenense, Goytacaz, Lajeadense, Pato Branco ou XV de Jaú da vida ganhasse dos nossos times grandes na rodada de domingo.

Tudo por causa da zebrinha do Fantástico. Aquela zebra fez parte do imaginário de uma geração! Bastava o Olaria sair na frente do Vasco ou o Galícia marcar um gol no Bahia, pra turminha com menos de dez anos de idade ficar torcendo pra que aquele resultado se mantivesse até o final. E todo mundo cruzava os dedos pra zebrinha aparecer depois dos Trapalhões e acabar de povoar a fantasia da infância com o improvável resultado e a voz aguda gritando que era zebra.

Acho que é por isso que eu gosto tanto de times como Caldense, Friburguense, Glória de Vacaria, Toledo e Taubaté até hoje. Eram eles que, naquela época, ouriçavam a zebrinha da TV e faziam a gente morrer de rir.

Hoje, a zebrinha não existe mais. Aliás, nem a loteria. Ou alguém aí fica de olho no cartão achando que fez os treze pontos?

Se você torce pra algum clube fundador do Clube dos 13, bem vindo a minha vida. Eu também torço. Mas vou torcer pro seu time perder na estreia do Estadual. Não joguei na loteria, mas vou lembrar da zebrinha rindo de você...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Festa de gala

O que você gosta de fazer pra se divertir? Teatro, cinema, show de rock, ópera, samba de roda? Gosta de sair pra jantar? Passear na cidade vendo as luzes de natal? Ou prefere ficar em casa tomando um vinho e vendo um filme?

E criança? Como se diverte? Clube, parque, shopping, casa dos amigos? Eu gostava mesmo era de ir ao Mineirão. A violência era bem menor que a de hoje, os preços de tudo também. Então era assim. Não consigo me lembrar nem contar todas as vezes que meu pai me pegou pela mão e me levou pro velho estádio da Pampulha pra ver nosso time de coração.

A preparação praquilo tudo era algo sagrado. Um ritual praticamente. Eu colocava a camisa do esquadrão, ligava o radinho no volume máximo pra ver se a pilha estava boa e calçava o velho kichute porque, nunca se sabe, sempre podia aparecer uma peladinha com os velhos copos parafinados no intervalo do jogo, no corredor dos bares.

Cada engarrafamento pra chegar ao estádio era uma festa. Bandeiras, gritos, ônibus apinhados de gente. Meu pai sem paciência e eu achando tudo aquilo a coisa mais linda do mundo.

Subir os degraus de acesso à arquibancada do estádio e me deparar com aquele latifúndio verde era uma coisa sem explicação. Se isso me emociona até hoje, marmanjo formado e com quase oitocentas visitas ao Mineirão, o que dizer da época em que estava nas primeiras dez?

O cansaço de passar quase seis horas fora de casa era quase nada pra uma criança que tinha a energia de dominar o mundo e os sonhos de um dia ser o camisa 10 daquele espetáculo tão gigantesco.

Não tem dia nesta vida em que eu não agradeça ao meu velho pai por ter me proporcionado aqueles momentos tão fantásticos que, além de nos aproximar tanto, ajudaram a construir minha personalidade e ser um pouco do que hoje sou.


Dedicado a meu pai e a meu amigo Eugênio

Par ou ímpar

Quando você é criança, e joga bola na rua, ninguém é dono do seu passe ou, na linguagem moderna, dos seus direitos federativos. Você joga num time hoje, noutro amanhã e assim vai vivendo seus momentos de craque juvenil no seu bairro. Quando a coisa fica mais séria, você e mais uns seis ou sete compram umas camisas iguais e montam um time qualquer, que, anos mais tarde, nas suas delirantes memórias, vai ser aquele esquadrão imbatível que ficou 10 anos sem perder pros moleques da rua de baixo.

Mas isso é pra poucos. A maioria fica mesmo é nas peladinhas do dia-a-dia. No junta-junta depois da escola, quando o dever de casa já está pronto. Ou não. Chegam 14 pirralhos, é menino que não acaba mais. E o dilema é dividir a turma entre dois times de sete, de modo que a coisa fique equilibrada. Porque ganhar fácil é tão chato quanto tomar uma goleada humilhante.

A solução então é o bom e velho par ou ímpar. Dois jogadores que têm mais ou menos o mesmo talento com a bola nos pés decidem na sorte quem começa a escolher, entre o restante do grupo, os outros seis do seu time. Até hoje tem amigo meu que jura que par ou ímpar não é sorte e que existe ciência exata que explique e técnica que facilite a vitória no jogo. Vá lá...

E é aí que começa o drama. Eu não passei por este constrangimento, graças a Deus. Se nunca fui um Maradona, tinha meus momentos de Careca. Fazia meus golzinhos e raramente não era escolhido até a segunda rodada da montagem dos times. O problema era ver a cara dos amigos que ficavam pra trás. Os jogadores se enfileirando atrás do carinha do par ou ímpar e os pernas-de-pau ficando lá no meio. Todo mundo olhando pra eles com cara de desprezo. Ou dó. Porque nas rodadas finais se escolhe o menos pior, já que os craques estão devidamente entrosados com o resto do time.

Aquilo era humilhante. Mais ou menos como levar o fora da menina querida na hora de dançar a música lenta na festinha americana de sexta-feira.

Teve um dia que eu bati o par ou ímpar e escolhi o Claudão pro meu time. Se ele, que é meu amigo até hoje, ainda é meio bobo, imagina 30 anos atrás! A gente perdeu o jogo feio. Acho que foi 8 a 0, com uns quatro gols contra do Claudão. Mas ele ficou tão feliz em ser o primeiro escolhido no par ou ímpar, que eu me senti como se aquilo tivesse sido uma goleada pra gente.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Mais importante que o futebol

Tem uma frase, oficializada como do treinador Paulo Autuori, que diz que 'entre as coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante'. Concordo tanto que ela está na apresentação da minha monografia de conclusão de curso.

E por ser tão importante pra mim, desde a primeira infância, o futebol acabou evoluindo na minha vida com o passar dos anos. Foi a principal brincadeira, a diversão do colégio, o esporte que tentei jogar na adolescência e o objeto de estudo na faculdade, até virar a razão principal da minha profissão e o meu ganha-pão. Ou seja, não preciso explicar ou tentar mensurar o tanto que me emociono quando vejo 22 marmanjos correndo atrás de uma bola num campo verde.

Mas existem coisas mais importantes na vida. E mais tristes do que um grito de gol. Enquanto o Ronaldinho Gaúcho era apresentado na Gávea, 271 pessoas morriam, um pouquinho ao norte dali, afogadas num mar de lama.

Eu não sou hipócrita. Se o Gaúcho viesse pro meu time, eu decretava feriado nacional e ia tomar cerveja no meio da multidão também. Já vi amigo meu fazer isso pelo Márcio Mexerica e pelo Apodi. Mas hoje não.

Vivemos um típico dia de janeiro no Brasil. Sol, calor e festa. E escombros rolando morro abaixo arrastando tudo o que tinha pela frente. Fizeram carnaval pra receber um craque de futebol. Eu não faria. Sem hipocrisia e falso moralismo. Porque eu ainda acho que existem muitas coisas mais importantes na vida que o futebol.

Chorar

Duas cenas de choro me marcaram nessa semana ludopédica. Primeiro o da Marta, ao receber pela quinta vez consecutiva o prêmio de melhor jogadora do mundo. Depois o do Thiago, zagueiro do time júnior do São Carlos, logo após fazer um gol contra bisonho, que acabou desclassificando seu time da Copa São Paulo, aos 47 do segundo tempo.

Marta saiu de Dois Riachos, no interior de Alagoas, e conquistou o mundo. Pentaconquistou o mundo. Contrariando todos os prognósticos que só a lógica da bola pode desafiar. E por isso ela chorou.

Thiago sonhava com um espaço no tão concorrido futebol profissional. E só uma reviravolta muito grande pode dá-lo uma chance real depois da trapalhada que fez. Ele sabe disso. E por isso também chorou.

Os dois choros foram legítimos. Por motivos e sentimentos totalmente opostos. E isso é o mais fantástico deste esporte.

Eu já vi muita gente chorar por causa de futebol. Já tive pena de quem chorava. Já tive raiva. Já achei graça. E já tive inveja. Sim, por não conseguir me emocionar daquele jeito naquela hora com aquele jogo.
   
Também já chorei várias vezes. Feliz e orgulhoso como a Marta. Desapontado e envergonhado como o Thiago. Mas não faz mal. Chorar é bom. Triste mesmo é não chorar. Triste é passar impune e ileso por esse fascínio universal chamado futebol.

Viva a Marta, a melhor jogadora do mundo! E viva o Thiago, que não teve vergonha em desabafar sua emoção!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Se enamora

Dia desses fui ao show de uma banda de BH que toca música dos anos 80. Chevette Hatch é a banda. O nome em si não me lembra nada, porque meu pai nunca teve um Chevette Hatch. Se a banda se chamasse 'Del Rey que bebe mais que meu tio', 'Fiat Oggi tão feio quanto minha vizinha' ou simplesmente 'Belina Bonina' ia ter mais efeito psicológico em mim. Taí, se eu montar uma banda Anos 80 vai se chamar Belina Bonina. Massa! Ou 'Estribado', como a gente dizia naqueles tempos...

Mas enfim, o Chevette Hatch tocou uma música marcante na minha infância. 'Se enamora', da Turma do Balão Mágico. Trata-se de uma versão em português de um clássico italiano que algum Pepino de Capri ou Sergio Endrigo da vida deve ter feito na hora de uma dor de cotovelo terrível. Ou seja, totalmente proibida para os fedelhos de oito, nove, dez anos de idade, como eu, que estavam começando a pensar em descobrir esta coisa tão complicada que os adultos, há muitos anos, chamam de amor.

Desde quando eu me entendo por gente, eu era apaixonado por uma tal de Carolina. Não é coisa de precocidade, nada disso. Veja bem, se você me entende: um metro e vinte de pura sensualidade, duas trancinhas no cabelo, pirulito de morango na boca, aventalzinho da escola sujo de sopa... ai ai ai, que beleza, não dava pra imaginar coisa mais linda e sexy em 1985. Mas quando eu pensava em chegar perto dela, minhas pernas congelavam. Eu não tinha a frieza do Zico na hora de bater uma falta no Maracanã lotado, poxa.

E aí, a velha vitrolinha da família Astoni ficava o dia inteiro com o LP da Turma do Balão Mágico tocando 'Se enamora'.

Eu só me distraía com o futebol, e era ano de eliminatórias de Copa do Mundo. A injustiça e a safadeza dos deuses do futebol tinham nos levado o troféu em 82, então era só questão de tempo até a Copa do México chegar. Em 1985, todo mundo no Brasil era otimista. Muitos dos que hoje gritam 'Fora Sarney', na época eram fiscais dele, num tal Plano Cruzado. Vai entender esses adultos...

Teve um dia que o Brasil ganhou do Paraguai fora de casa, com um golaço do Zico. E todo mundo falou que a gente já estava na Copa, e que dessa vez não tinha como dar errado. Fiquei mais feliz do que nunca e pensei comigo mesmo: amanhã converso com a Carolina, peço pra ela casar comigo e nossos filhos vão ver o Brasil ser tetra ano que vem.

Ensaiei as frases que ia dizer umas vinte vezes. Treinei sem gaguejar, sem tremer, sem vacilar, olho no olho comigo mesmo, no espelho. Até que chegou a hora. Na escola vi a Carolinha. Olhei pra ela e corri pro banheiro. Passei o resto do ano com medo dela. Puxa vida, me desculpem. Eu tinha nove anos. E não sou o Zico!