domingo, 29 de maio de 2011

O Valeriodoce do Augusto

Esta é a história verídica do Augusto, um garoto de Santa Catarina, que torce para o Valeriodoce, simpático clube de Itabira, interior de Minas Gerais.

Passei uns dias em Florianópolis, semana passada. Fui apresentado à família do Augusto, num jantar informal na casa dos pais dele, e como ficaram sabendo que sou mineiro e repórter esportivo, o tema veio à tona. Ninguém conseguiu me explicar o porquê da inusitada escolha do garoto, e deixei o assunto de lado.

O Augusto olhava meio distraído aquele papo todo. Ressabiado e desconfiado, como se bom mineiro fosse. Um pouco mais tarde, me chamou pra jogar uma partida de futebol no playstation. Não neguei, mesmo já sabendo a catástrofe que se aproximava. Entre o sétimo e o oitavo gol do guri, ele disse baixinho, como se quisesse me tornar cúmplice de um segredo proibido:

- Quer saber porque eu torço pro Valeriodoce?

- Claro, me conta.

- Você é jornalista e escreve né? Então deve gostar de ler...

- Gosto sim, quem não gosta?

- Fiquei sabendo que o Valeriodoce é o time do Carlos Drummond de Andrade.

- É, o poeta nasceu na mesma terra do Valério.

- Você sabia que um cara chamado Júlio Verne jogava no Valeriodoce? Eu li numa revista velha do meu avô.

- Sim, eu sabia. Ele era meio-campo.

- Então, tio. Como eu não vou torcer pro time do Carlos Drummond e do Júlio Verne? Seria traição aos meus escritores preferidos.

Aí sim a ficha caiu. E me peguei morrendo de inveja do Augusto por não ser como ele, um autêntico torcedor do Valeriodoce.

Voltamos pra sala de jantar e convidei os pais do Augusto para uma visita a Belo Horizonte. Com a promessa de esticar o passeio a Itabira para conhecer a terra do poeta e do clube de coração do garoto.

Que bom seria o mundo se todos os torcedores fossem puros como o Augusto...



* Dedicado a meu amigo Rodrigo Franco, que fez o contrário do que o Augusto fez. É mineiro e buscou seu amor em Santa Catarina.

Benjamin Button

Eu acho que os jogadores de futebol tinham que ser como um texto do Chico Anysio num comercial que vi na TV nos anos 1980. Deveriam nascer velhos e morrer crianças. Ou como a música do Jethro Tull, 'Too old to rock n´roll, too young too die', onde acontece a mesma coisa. O filme Benjamin Button conta mais ou menos a mesma história, com a diferença que o cérebro do cara envelhece da forma normal.

O jogador ia começar nas categorias de base do clube e trabalhar intensamente até sua primeira chance no profissional. Cabelo cortadinho, sem tatuagens, discurso bem articulado e uma namorada firme, inclusive com anel de compromisso no dedo.

Artilheiro no primeiro Brasileirão do currículo, o garoto quer ficar no Brasil, perto da família, cuidando dos investimentos que está fazendo com o salário, que teve o primeiro aumento significativo.

Mais alguns anos e ele assina um contrato fantástico com o Real Madrid. Adquire ações do clube que o revelou, compra dois condomínios na cidade natal e parte para a Europa com a mulher e os filhos, onde se eterniza no museu da fama do clube merengue.

Até que algumas más atuações, devido ao cansaço muscular e aos problemas com o divórcio, o fazem deixar o Real e partir para vida nova no Valladolid. Não sem antes espinafrar diretoria, torcida e colegas do antigo clube.

Nosso herói faz a primeira tatuagem com uma letra japonesa sem significado e, após perambular por vários times da segundona espanhola, vai parar no promissor futebol do Chipre.

Dois casos policiais, uma acusação de estupro e outra de dirigir sem habilitação, trazem o antigo ídolo madrilenho de volta ao Brasil. No dia de sua apresentação no Duque de Caxias, ele faz um corte moicano super fashion e briga com dois torcedores num shopping de Nova Iguaçu que teriam assediado sua namorada de 17 anos.

Acabado, sem clube e abandonado pelos antigos amigos, ele é obrigado a se desfazer de todas as suas propriedades para se dedicar apenas às peladas de rua e ao futebol de areia. Aos 38 anos, encerra sua carreira jogando pelo Madureira Beach Boys. E posa na G Magazine.

É claro que nossa história é fictícia. Mas será que é tão dificil assim encontrar algum Benjamin Button na história do nosso Velho Ludopédio?

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Nostalgia

Eu joguei futebol com bola de meia. Com jornal velho embolado num plástico e selado com durex. No meio de uma rua calçada com pedra e em total declive. Uns vinte e cinco moleques embolados correndo sem ordem, caindo, machucando, sangrando os joelhos, enfim, um verdadeiro caos. Mas era bom demais e todas as tardes a gente se reunia no mesmo local pra velha pelada de rua.

Depois o futebolzinho subiu um pouco de nível e passamos a jogar numa quadra que pertencia à Igreja do bairro. Cimentada, cheia de remendos e também em declive. O número de jogadores diminuiu consideravelmente, mas a bagunça continuou em alta escala. Mesmo assim, foram momentos inesquecíveis e várias vidraças quebradas na sala paroquial da Igreja da Pompeia.

Aí chegou a fase dos campos de areia. A moçada já estava na adolescência e quem ia jogar bola sabia jogar direitinho. A organização começou a aparecer, time sem camisa prum lado e time com camisa pro outro. Mas era tanta perna ralada, joelho inchado e músculo distendido que o quórum foi diminuindo aos poucos, mesmo sendo diversão garantida nosso beach soccer mineiro.

Já adultos, os principais problemas não são mais a organização do evento e a integridade física dos atletas, mas sim a disponibilidade de horários para que pelo menos 12 camaradas possam praticar um simples futebolzinho semanal. Ao mesmo tempo e no mesmo lugar, que fique claro! E como tem desculpa pra marmanjo não aparecer: cansaço, viagem de trabalho, faculdade, mulher grávida, filho doente e despedida de solteiro de algum amigo. Essa última é até aceitável, porque geralmente todo mundo vai e a pelada vira a coisa menos importante do dia.

Hoje sinto falta da bola de meia, da quadra no morro e dos campos de areia. São lembranças vivas de grande parte do meu passado. Mas, mais do que isso, sinto falta dos parceiros que fiz jogando bola mundo afora e que não sei por onde andam ou vejo muito pouco hoje em dia. Muitos gols, dribles, caneladas, unhas arrancadas e, sobretudo, bons papos, risadas, churrascos e amizades que sobreviveram à força do tempo. Se existe algum elo de união mais forte que o futebol na vida do homem, ainda não me contaram qual é.


"And in the end, the love you take is equal to the love you make." (Lennon/McCartney)

terça-feira, 3 de maio de 2011

Goleada

Dia desses, uns amigos meus de São Paulo perderam um jogo por 12 a 1, num campeonato de jornalistas organizado por lá. Quando fiquei sabendo da notícia, fiquei indignado. Não que os caras lá joguem alguma coisa pra perder de menos, mas o que mais me irritou foi a falta de vergonha na cara de levar uma goleada tão grande e deixar o jogo terminar impunemente.

Eu me lembrei na hora de um ‘amistoso’ que disputei no auge da minha adolescência contra um time do bairro vizinho. Lá pelos 15 minutos do segundo tempo, o placar estava nuns 7 ou 8 a 0 pra eles. Era um vareio de bola, um verdadeiro passeio. O time deles tabelava, dava chapéus, canetadas, toques de letra, enfim, um massacre humilhante. Pra nós, claro.

Até que duas das figuras mais corretas da minha equipe, Tonhão Trambique e Givanildo Tumulto, resolveram colocar ordem nas coisas. Foi uma sessão de bicudos, pescoções e joelhadas nas partes baixas tão longa e pesada que o jogo teve que acabar com os mesmos 7 ou 8 a 0 pro time deles.

Não que isso seja motivo de orgulho para mim ou para algum de meus companheiros daquela inglória jornada. Mas o fato é que, já na semana seguinte, ninguém mais se lembrava da goleada que tomamos, mas sim, da homérica pancadaria que rendeu assunto por muitos anos na zona leste de Belo Horizonte.

...

É claro que o texto acima é fictício e uma grande brincadeira. E poderia terminar assim, sem as explicações do parágrafo que se segue. Mas do jeito que as coisas andam nos dias de hoje é bom avisar. E pedir. Percam de 7 ou 8, percam de 12. Levem 15 gols no lombo, se preciso for. Não há vergonha nisso. Vergonha é fazer o que os jogadores de Goiás e Vila Nova fizeram no último domingo, no Serra Dourada. Nisso Tonhão Trambique e Givanildo Tumulto concordam comigo. E Robertinho Safanão também!


* Dedicado aos guerreiros do Globoesporte.com/SP