sábado, 17 de novembro de 2012

O campeonato dos jornalistas


Todo jornalista esportivo já sonhou ser jogador de futebol. Vá lá, sejamos menos radicais. A grande maioria da turma, talvez 90%, teve uma época de devaneios e planos de criança de um dia se aventurar pelos campos Brasil afora e ganhar a vida desta forma. Não que o ‘ganhar a vida’ fosse o foco principal do sonho naquele tempo. Longe disso e de qualquer plano de ser milionário com o esporte. As imagens que povoavam as mentes infantis da rapaziada nesta época eram as de estádios lotados gritando o nome dos ídolos – no caso, eles mesmos – após um gol de placa numa final de campeonato.

Acontece que não é nada fácil ser jogador de futebol. Se muitos jovens bons de bola, repletos de talento e habilidade, ficam pelo caminho e não conseguem chegar a um time profissional, imagina só a turma do jornalismo? Tudo bem que alguns até fazem bonito no futebolzinho do final de semana, mas o grosso dos caras é mesmo muito ruim com a pelota nos pés.

Daí se explica o fervor com que as peladas de jornalistas são disputadas e cheias de brigas e confusões. Eles são ruins de bola, verdadeiros pernas-de-pau. Mas acreditam e juram que são craques. E vai tentar falar com algum deles que não é verdade pra ver o que acontece...

Um campeonato entre as redações de esporte de tevês, rádios, jornais e sites está sendo disputado em Belo Horizonte. São 10 times no total e os jogos são disputados às segundas-feiras. É uma verdadeira festa! Dá pra imaginar qual é o único assunto entre os jornalistas nos CTs dos três clubes da cidade nas manhãs de terça. Nas tardes também. Aliás, de quarta a domingo é a mesma coisa. Até que chega a outra segunda, o tema se renova e o ciclo recomeça.

Como cada um se considera um supercraque, o papo dos jornalistas tem momentos impagáveis. São dribles, passes, gols e defesas históricas, narradas pelos próprios autores dos lances, com emoção redobrada e veracidade reduzida. O campeonato tem site oficial, fórum de discussão, chat, rede social própria e – pasmem! – até álbum de figurinhas virtual.

Os participantes se esbaldam, é claro. Sentem-se como novos Messis e Cristianos Ronaldos. Alguns acreditam de verdade que têm o mesmo talento. Já imagino o dia em que, em acessos de estrelismo, vão se recusar a entrevistar os jogadores reais, durante o trabalho cotidiano, e começar a distribuir fotos autografadas de si próprios.

O problema todo é para quem não disputa a tal Copa, como é o meu caso. Não entrei no time da minha empresa, e hoje pago o pato pela ausência. Não tenho mais ambiente entre meus amigos. Não participo mais das resenhas e nem sou convidado para um simples café com as estrelas futebolísticas do jornalismo mineiro. Sou praticamente um extraterrestre, pelo simples fato de não disputar o maldito campeonatinho deles.

Minha solução, então, foi detonar tudo o que tem relação com a competição. Falei mal da fórmula de disputa, do campo onde os jogos são realizados e do site do campeonato. Ironizei os uniformes, a bola e a arbitragem. E, no toque final de minha ira, fiz críticas terríveis aos péssimos jogadores, ao sabor dos petiscos do bar e à temperatura das cervejas servidas para a sofrida torcida. Não perdoei nada nem ninguém!

Vou falar sério agora. A verdade é que tudo não passa de inveja. Uma grande e cruel inveja, que vem me consumindo desde a primeira rodada da Copa. Que burro sou eu por não ter me inscrito no time da firma. Vejo meus amigos jogando bola, se divertindo e vivendo nosso sonho comum de infância, mesmo sabendo que é de mentirinha.

Ano que vem eu me inscrevo. Nego tudo que falei este ano. E vou ser o melhor jogador do campeonato. Porque sou um grande craque, como todo jornalista esportivo pensa que é. 


* Para meus amigos Diogo Ramalho, Fernando Martins y Miguel, Léo Mello, Marcellus Madureira, Paulo Vilhena, Samuel Venâncio e Thiago Reis, grandes craques na arte de achar que são craques.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Para Luísa



Oi Luísa. Eu ainda não te conheço. As rotinas do trabalho e a correria do dia-a-dia, enfim, essas coisas de adultos, ainda não me permitiram te fazer uma visita. Mas espero que não demore muito.

Eu sou amigo do seu pai que, infelizmente, nos deixou no último domingo. A gente trabalhou junto, lá no Superesportes, por um período pequeno, de apenas seis meses, mas que foi suficiente pra gente criar uma boa relação de companheirismo, respeito e amizade.

Nada que eu possa dizer vai trazer seu pai de volta, mas eu só queria que você soubesse que ele foi um cara muito legal. Sei que muita gente deve estar falando isto pra você, Luísa, mas nunca é demais dizer mais uma vez. A gente se identificou e ficou amigo logo de cara porque ele tinha algumas qualidades que eu admiro muito numa pessoa.

Seu pai era honesto e justo. Ele era um bom companheiro de trabalho e leal com os amigos. O Leandro era brigão, porque se indignava com as injustiças que via no mundo e não conseguia ficar omisso e calado diante delas. Ele era engraçado, irônico, divertido. Não perdia a chance de soltar uma boa piada ou gozação. E, acima de tudo, Luísa, ele amava sua mãe e você. Com o amor mais profundo e mais verdadeiro que pode existir neste mundo.

Depois que eu saí do site, mantive contato com seu pai, mas, com o tempo, fomos nos falando menos. Você um dia vai entender essa nossa rotina chata, que acaba nos afastando pouco a pouco das pessoas que a gente gosta. Mas, volta e meia, a gente se falava, por telefone, e-mail ou em alguns eventos em que a gente se encontrava e tomava uma cervejinha e ria a valer.

Sei que você vai ser uma pessoa de bem, moça. E que vai encher seu pai de orgulho, porque ele está cuidando de você, lá de onde está. Eu sei que sua mãe vai te contar que ele foi um guerreiro. Que ele lutou pra ter forças e saúde pra te esperar chegar. E que seu rostinho foi a força que alimentou os últimos dias dele aqui junto da gente.

Eu também sei que você também vai ter orgulho do seu pai quando souber quem foi ele e o tanto que ele te amou. Ninguém precisa te dizer isto, você vai ver o olhar dele nas fotos em que ele te carregava no colo.

Seja feliz, Luísa. Você merece isto. Você é símbolo de vida, de luta e de uma história de muita garra, fé e vontade, que emocionou muita gente aqui. E, acima de tudo, ame seu pai. Porque ele te amou demais. Um beijo pra você.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Românticos de Cuba


O Românticos de Cuba Esporte Clube foi um dos melhores times da história do futebol amador de Belo Horizonte. Formado por jovens do Carlos Prates, tradicional bairro da cidade, tinha o nome inspirado na famosa orquestra de bailes, que, vez ou outra, vinha se apresentar na capital mineira.

Todos os jogadores tinham entre 16 e 21 anos e eram frequentadores assíduos do Clube Montanhês, do Hotel Maravilhoso e de outras casas boêmias de reputação duvidosa do centro de BH. A rotina dos garotos se dividia entre as peladas com o Românticos de Cuba e as bebedeiras e farras noite adentro, com as mulheres da zona. Ninguém ainda tinha parado para pensar e levar a vida muito a sério. E, na tranquilidade de uma Belo Horizonte ainda pacata, iam vivendo sua juventude.

Acontece que o golpe militar de 1964 mudou a vida daqueles rapazes do Carlos Prates para sempre. Como o Brasil não mantinha relações diplomáticas com Cuba, tudo o que fazia menção ao país de Fidel Castro era considerado suspeito, subversivo e ofensivo à ordem nacional. Assim sendo, tanto a orquestra como o time amador foram obrigados a mudar o nome e passaram a ser vigiados com rigor pelo serviço de informação do exército.

Ninguém no time tinha nenhum tipo de ligação com qualquer organização de esquerda e a maioria dos garotos sequer sabia o que significava comunismo. Mas mesmo assim, foram todos intimados a depor em alguma delegacia. A alegação era que o SNI tinha informações que ligava os jogadores do Românticos a Fidel e Che Guevara, o que os tornava, portanto, perigosos criminosos. Alguns deles chegaram a ser torturados, e o principal alvo dos militares, um baixinho chamado Rafael, que tinha o curioso apelido de Sputnik, nunca mais apareceu em casa.

O ponta-direita Rafael ganhou a alcunha por ser tão veloz quanto um foguete, nas peladas do Carlos Prates. Na verdade, Sputnik era um satélite soviético, mas, na imaginação popular da época, era sinônimo de foguete e, logo, de velocidade. Rafael morava com a mãe, Dona Jandira, dona de casa, que vivia da pensão do marido morto. O jovem era um dos mais simples do time e um dos poucos que tinha que trabalhar para ajudar nas despesas de casa. Rafael era aprendiz de alfaiate e, nas horas vagas, como os colegas de bairro, se divertia com o Românticos e as noitadas na zona boêmia, mais raras para ele do que para os outros.

O pecado de Rafael foi ter um apelido ‘soviético’ e jogar num time ‘cubano’. Por não ter a mínima noção do que se tratava toda aquela confusão política, não soube responder as perguntas dos homens de roupa verde-oliva e olhos vermelho-sangue. Tinha 18 anos, queria ser médico e ter uma família grande. No depoimento para os militares ficou nervoso, gaguejou e se confundiu nas respostas e nos motivos dos apelidos. Por isso, nunca voltou pra casa.

Dona Jandira fez o que pôde. Procurou ajuda nos jornais, com parentes, com amigos e com amigos de amigos, mas nunca teve notícias do filho sumido. Dizem que até hoje ela fica na porta da velha casa do Carlos Prates, por volta das seis da tarde, esperando Rafael chegar...

Com o fim da ditadura, o Românticos de Cuba se reuniu mais uma vez, em 1985, e jogou sua última partida. Sem o ponta-direita, sem Fidel Castro e sem os satélites soviéticos que fizeram com que Rafael fosse preso, torturado e morto sem sequer saber o porquê de tudo aquilo.

domingo, 9 de setembro de 2012

Festa e alerta


O desempenho da delegação brasileira na Paraolimpíada de Londres é digno de louvor. O sétimo lugar conquistado, com 43 medalhas, sendo 21 de ouro, deixou o Brasil à frente de países como Alemanha, Holanda, Itália, Coreia do Sul, França, Espanha, Canadá, Nova Zelândia, Japão, Suécia, Finlândia, Suíça, Noruega, Bélgica e Dinamarca.

Ufanista como poucos, o brasileiro só presta atenção aos Jogos Paraolímpicos quando o número de medalhas vai aumentando exponencialmente, como já havia acontecido em Atenas e Pequim. Mas, o mais importante de tudo se perde. Cada atleta carrega consigo uma história especial, de superação e vitória pessoal, que, muitas vezes, é substituída por um número ou uma marca.

O resultado em Londres é importantíssimo sim. Porém, ele traz muito mais responsabilidades do que motivos para comemorar. Não quero ir na contramão da festa, mas não posso deixar de fazer um alerta. Será que as condições dos deficientes no Brasil são melhores do que nos países citados acima? Acessibilidade, oportunidades de trabalho, luta contra o preconceito, apoio do governo, enfim, tudo isso deve ser debatido por todos nós, de forma muito mais intensa que o quadro de medalhas final.

O trabalho agora deve ser feito para que as medalhas se transformem em inspiração para os jovens. Que os ídolos das Paraolimpíadas sirvam como exemplo nas vidas de muitos, que buscam alento em meio a tantas dificuldades. Que a sociedade cobre as mudanças diárias e cotidianas que o país precisa para tratar com dignidade os deficientes. E que o governo saiba respeitar e dar o devido valor a quem tem tanto para contribuir com o crescimento e desenvolvimento do país.

Vale a festa, claro, ela é justa e merecida. Mas que a cobrança não caia no esquecimento com o passar do tempo. E que as lutas e necessidades dos milhões de deficientes do Brasil não sejam lembradas apenas daqui a quatro anos, quando outra Paraolimpíada começar.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Feriado Nacional

Hoje é o Dia do Sexo. Ontem foi o Dia do Irmão. E mês passado teve o Dia dos Solteiros. Eu fico pensando na utilidade prática destas datas e se existe alguém que as comemora verdadeiramente.

Eu até entendo dias que celebram profissões, lembram assuntos relevantes e de interesse público ou chamam a atenção para algum problema social. Mas, cá pra nós, para que serve o Dia dos Solteiros? Qual foi a ideia original do gênio que inventou a data? E o Dia do Sexo? Seria o esperado momento em que todas as pessoas gozariam um êxtase coletivo, vagando peladas mundo afora?

Aproveitando a semana de comemorações esdrúxulas, tomo a liberdade de sugerir alguns novos motivos para festejar. Tomara que pelo menos um deles vire feriado nacional. Se você também tem alguma ideia, mande sua sugestão que a gente dá um jeito de fazer festa.


Dia do Banguela

Dia da Ameba

Dia do Trovão

Dia da Insônia

Dia da Sopa de Feijão

Dia da Rua Esburacada

Dia da Melancolia

Dia da Verruga

Dia das Brigas de Boteco

Dia Internacional da Coriza

Dia do Chinelo de Dedos

Dia do Barrigudo

Dia da Cadeira de Balanço

Dia do Piolho

Dia do Psicopata

Dia Nacional do Sacripantas

Dia da Ferida Mal Curada

Dia da Overdose

Dia do Chulé

Dia do Ovo Frito

Dia Nacional Anti-Remela

Dia do Desodorante Vencido

Dia da Pilha no Congelador

Dia do Constrangimento

Dia Nacional da Cueca Suja

Dia do Café Frio

Dia Nacional da Data Cívica

Dia do Umbigo

Dia da Telha Quebrada

Dia do Perdão

Dia do Macarrão Instantâneo

Dia da Frieira

Dia Nacional da Orgia

Dia do Protelador

Dia Internacional do Flatulento

Dia da Intriga

Dia do Bolso Furado

Dia do Jegue

Dia da Piada Ruim

Dia Nacional do Dado Viciado

Dia da Fofoca

Dia do Desafinado

Dia da Falta do Que Fazer



sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Medalha de ouro


Eu nunca vi os atletas e esportes paraolímpicos com compaixão, tristeza ou qualquer outro sentimento negativo. Muito por causa do meu amigo Danilo Bayão, completamente cego desde os seis anos de idade, devido a uma doença congênita. Ciente de sua condição, Danilo jamais aceitou ser tratado como vítima ou pessoa inferior, sempre bem humorado e capaz de fazer praticamente todas as atividades que fazíamos nos tempos de colégio.

Passamos boa parte da infância e toda a adolescência juntos. Nossas famílias se tornaram amigas e fizemos tudo que dois amigos nesta fase da vida fazem. Brincamos, jogamos, bebemos, viajamos, fomos ao Mineirão, saímos com garotas e aproveitamos muito. Digo sem medo de errar: nunca vi Danilo Bayão Gomes reclamar de sua deficiência e nem desanimar diante de qualquer obstáculo.

Danilo se tornou um exemplo de vida pra mim sem que nós dois percebêssemos isso, tamanha nossa proximidade e cumplicidade. Seu jeito otimista e realista de encarar as coisas me ajudou em muitos momentos complicados, ao longo do tempo.

Hoje, Danilo é jornalista e advogado. A primeira profissão foi influenciada por mim, pobre amigo! Ele continua com o sorriso constante e o jeito maduro de enxergar o mundo e sua própria vida. Com ele, eu aprendi desde cedo a não reclamar do que tenho e a ser grato por tudo que Deus me deu.

Vendo os atletas que nadam, correm, lutam e disputam as mais diversas modalidades nas Paraolimpíadas de Londres é impossível não me lembrar do amigo, mesmo que a gente não se fale com a mesma frequência da juventude.

Dificuldades há para todos. O diferente é a forma que cada um as encara. Parabéns aos atletas paraolímpicos mundo afora, que superam obstáculos diários e dão provas de força a si mesmos. E muito obrigado por tudo, meu querido irmão Danilo Bayão.