sábado, 19 de fevereiro de 2011

O torcedor sincero

Crianças têm 30 milhões de defeitos. São barulhentas, teimosas, birrentas, melequentas e parecem ter a energia de dois exércitos em guerra. São manhosas, chiliquentas, irritantes, pirracentas, mas ninguém nesse mundo pode negar que são as criaturas mais sinceras do planeta.

É claro que existe um outro lado. Muito maior e mais intenso do que o das linhas acima. É como se fossem 40 milhões de qualidades. Crianças também são amorosas, criativas, ingênuas e curiosas. São puras, sagazes, doces e carinhosas. Mas, nada é mais forte do que a sinceridade que toda criança carrega dentro de si.

Tenho um amigo argentino. Veio para o Brasil no começo dos anos 1990 e nunca mais foi embora. Por causa do trabalho, foi ficando, ficando, ficando, até que ficou de vez. Casou-se com uma belo-horizontina e só vai em Buenos Aires para ver como anda a saúde da mamacita. Como quase todo hermano, é fanático por futebol. É torcedor do Racing e, quando teve seu primeiro filho, nada mais natural do que fazer o muchacho virar também um torcedor do time de Avellaneda.

Acontece que o pequeno Martín, tão brasileiro quanto você ou eu, nunca se simpatizou pelos 280 capítulos de história que o Racing do pai, Ramón, meu amigo, escreveu ao longo dos anos. Era mais do que natural, então, que o garoto torcesse mesmo para um time brasileiro.

Neste ponto é que a história fica boa. A mãe do Martín, Raquel, é atleticana desde duas gerações atrás. Avô, tios e pai conselheiros do Galo. Ela mesma nunca ligou muito pra futebol, mas, pra não contrariar os turcos, se diz a mais fanática das alvinegras. O Ramón, justamente pelo motivo contrário, que era irritar a turcaiada, inventou uma ligação afetiva entre o Cruzeiro e o zagueiro Perfumo, que jogou no Racing do seu coração e no Cruzeiro dos anos 1970, pra torcer pelo arquirrival da família da esposa.

O fato é que nem a Raquel nem o Ramón, com tantas outras coisas na cabeça, se preocuparam muito com o time de coração do pequeno Martín. Até que ele, logo nos primeiros anos de vida, se mostrou um verdadeiro fanático pelo velho ludopédio.

Martín foi atleticano e cruzeirense ao longo da infância, ora agradando aos tios, ora fazendo cara boa pro pai. Só que, nesta altura da vida, a família já morava num condomínio, no município de Nova Lima, cidade bem ao lado de BH e terra do tradicional Villa Nova.

O garoto, então, achou a solução para todos os seus problemas. Justificou pros tios e pro pai que tinha torcer prum clube da sua terra. Virou um fanático villanovense. Ganhou camisa do time, dada secretamente pela Raquel, e o Ramón, pra aumentar de vez a implicância dos cunhados e do sogro, leva o Martín em todo jogo do Villa. Ele sonha em jogar com a camisa 10 do Leão, num Mineirão lotado, contra Atlético ou Cruzeiro. Mas, se não der, vai se contentar apenas em ser presidente do Villa.

O Martín é manhoso, amoroso, irritante e puro de coração. E, dentro de toda sua sinceridade, é o mais fanático torcedor do Leão do Bonfim de Nova Lima!



Para Valter Lobato, pai de um garoto muito parecido com o Martín

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