segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Românticos de Cuba


O Românticos de Cuba Esporte Clube foi um dos melhores times da história do futebol amador de Belo Horizonte. Formado por jovens do Carlos Prates, tradicional bairro da cidade, tinha o nome inspirado na famosa orquestra de bailes, que, vez ou outra, vinha se apresentar na capital mineira.

Todos os jogadores tinham entre 16 e 21 anos e eram frequentadores assíduos do Clube Montanhês, do Hotel Maravilhoso e de outras casas boêmias de reputação duvidosa do centro de BH. A rotina dos garotos se dividia entre as peladas com o Românticos de Cuba e as bebedeiras e farras noite adentro, com as mulheres da zona. Ninguém ainda tinha parado para pensar e levar a vida muito a sério. E, na tranquilidade de uma Belo Horizonte ainda pacata, iam vivendo sua juventude.

Acontece que o golpe militar de 1964 mudou a vida daqueles rapazes do Carlos Prates para sempre. Como o Brasil não mantinha relações diplomáticas com Cuba, tudo o que fazia menção ao país de Fidel Castro era considerado suspeito, subversivo e ofensivo à ordem nacional. Assim sendo, tanto a orquestra como o time amador foram obrigados a mudar o nome e passaram a ser vigiados com rigor pelo serviço de informação do exército.

Ninguém no time tinha nenhum tipo de ligação com qualquer organização de esquerda e a maioria dos garotos sequer sabia o que significava comunismo. Mas mesmo assim, foram todos intimados a depor em alguma delegacia. A alegação era que o SNI tinha informações que ligava os jogadores do Românticos a Fidel e Che Guevara, o que os tornava, portanto, perigosos criminosos. Alguns deles chegaram a ser torturados, e o principal alvo dos militares, um baixinho chamado Rafael, que tinha o curioso apelido de Sputnik, nunca mais apareceu em casa.

O ponta-direita Rafael ganhou a alcunha por ser tão veloz quanto um foguete, nas peladas do Carlos Prates. Na verdade, Sputnik era um satélite soviético, mas, na imaginação popular da época, era sinônimo de foguete e, logo, de velocidade. Rafael morava com a mãe, Dona Jandira, dona de casa, que vivia da pensão do marido morto. O jovem era um dos mais simples do time e um dos poucos que tinha que trabalhar para ajudar nas despesas de casa. Rafael era aprendiz de alfaiate e, nas horas vagas, como os colegas de bairro, se divertia com o Românticos e as noitadas na zona boêmia, mais raras para ele do que para os outros.

O pecado de Rafael foi ter um apelido ‘soviético’ e jogar num time ‘cubano’. Por não ter a mínima noção do que se tratava toda aquela confusão política, não soube responder as perguntas dos homens de roupa verde-oliva e olhos vermelho-sangue. Tinha 18 anos, queria ser médico e ter uma família grande. No depoimento para os militares ficou nervoso, gaguejou e se confundiu nas respostas e nos motivos dos apelidos. Por isso, nunca voltou pra casa.

Dona Jandira fez o que pôde. Procurou ajuda nos jornais, com parentes, com amigos e com amigos de amigos, mas nunca teve notícias do filho sumido. Dizem que até hoje ela fica na porta da velha casa do Carlos Prates, por volta das seis da tarde, esperando Rafael chegar...

Com o fim da ditadura, o Românticos de Cuba se reuniu mais uma vez, em 1985, e jogou sua última partida. Sem o ponta-direita, sem Fidel Castro e sem os satélites soviéticos que fizeram com que Rafael fosse preso, torturado e morto sem sequer saber o porquê de tudo aquilo.

2 comentários:

  1. bonita a história, porém muito triste...

    PS:Maturana

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  2. É, Astoni, se a vida imita a arte, ela imita também seus demônios. Uma honra jogar bola com você, que ainda honra os Românticos de Cuba.
    PS: Você sabia que aquela chapelaria, a Casa Cabana, era Casa Cubana? E mudou exatamente para evitar dores de cabeça?

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