terça-feira, 15 de maio de 2012

Fazendo história

Mesmo as melhores coisas da vida, quando repetidas insistentemente, perdem um pouco da graça. Visitar um lugar fantástico pela segunda vez pede um novo roteiro. Um prato fino, elaborado por um renomado chef, se degustado com frequência, exige uma pitada a mais daquele tempero raro. Até um leve toque na pele da mulher amada precisa ser renovado com nova dose de paixão, para que a chama que mantem vivo o amor não se arrefeça.

Com as palavras é a mesma coisa. Talvez um pouco pior. A repetição demasiada estraga uma poesia, deixa uma música cansativa e faz com que uma frase repleta de sentido se transforme num simples amontado de letras.

Eu me lembro da primeira vez em que ouvi um narrador esportivo dizer que um atleta estava fazendo história. César Cielo ganhou a primeira medalha de ouro da natação brasileira na história das Olimpíadas, na China, em 2008, e a frase me emocionou de verdade. Senti que era testemunha de algo realmente importante e marcante no esporte nacional, não só pela conquista em si, mas pelo que a frase ‘fazendo história’ despertou em mim.

Acontece que conseguiram estragar a frase, como fazem com quase todas as coisas boas do mundo. Porque, depois do Cielo, um monte de gente ‘fez história’ por aí, mesmo com façanhas, digamos, menos louváveis do que ganhar uma medalha olímpica.

Tiquinho Botucatu fez história ao marcar o primeiro gol de pênalti do time sub-20 da Matonense, contra a Ponte Preta, no Moisés Lucarelli. Ana Maria da Silva fez história ao ser a primeira mulher a correr os 400 metros rasos com uma bandana roxa na cabeça, na pista do Mangueirão, em Belém. O XV de Quixeramobim fez história ao contratar Juanito Mendoza, o primeiro venezuelano do futebol cearense. Pô! Que coisa mais chata! Banalizaram a frase que tanto me marcou.

Mas, mesmo assim, ainda me lembro da primeira vez em que a ouvi e do quanto ela foi significativa. Sim, porque me fez pensar se eu também estava fazendo história ou deixando minha vida passar em brancas nuvens.

E você? Está fazendo sua história? Está sendo um bom irmão e tem tratado seus pais com honra? Você tem sido leal a seus verdadeiros amigos? Está se dedicando com garra nas suas tarefas cotidianas? Você é fiel e correto com a pessoa que você ama?

O que mais, além de ser honesto com os outros e consigo mesmo, é necessário para fazer história? Você tem visitado lugares incríveis? Provado sabores exóticos e inéditos? Você tem tocado com carinho especial a pele da mulher que você ama? Ou está dando uma de Tiquinho Botucatu e se contentado em usar sua bandana roxa na cabeça, enquanto canta o hino da Venezuela?


Para o amigo Leonardo Simonini, que, como não fez história jogando baralho, tenta fazer no jornalismo, junto comigo, todos os dias

2 comentários:

  1. Ah, o amor... o amor anda fazendo história com o coração de algumas gentes que conheço, Velho Astoni...

    ResponderExcluir
  2. Bravo, nero piccolo! Acredito que o nosso intrépido repórter colocaria o axioma de Andrew Warhola, Andy Warhol para os íntimos, em xeque. Não seria apenas um quarto de hora de fama e sim um período muito maior. Uma pena é que alguns companheiros de profissão do nosso herói foram picados pela mosca necrófaga da inércia cerebral. Até parecem soldados da falange de Belphegor. Pobres almas! O atrofiamento do bulbo raquidiano de alguns está muito escancarado! Espero que os miasmas emanados de tais cabeças raquíticas de inteligência não nos contamine! Amplexos fraternais, Sulimar.

    ResponderExcluir