segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O bolero do pênalti perdido - parte III

Fernando tem quarenta e poucos anos e adora seu futebolzinho de fim de semana. Bom de bola, casado, pai de duas filhas, sempre jogou suas peladinhas e disputou campeonatos amadores na várzea e na empresa. Mas, como fez isso desde sempre, nunca deu valor diferente ao rotineiro futebol com os amigos.

Até que seu filho caçula, Mateus, nasceu. O garoto cresceu e passou a acompanhá-lo pelos campos da cidade, sob chuva ou sol, sempre achando aquilo a coisa mais fantástica do mundo. Assim, as peladas ficaram especiais para o pai. Claro, porque agora ele tinha o mais querido dos fãs a torcer e vibrar com as aventuras do paizão peladeiro.

O negócio é que Mateus é um garoto danado. Inteligente, inquieto e muito exigente com os números e estatísticas do pai em campo. Como não se dava bem com as outras crianças, ficava com um caderninho, à beira do gramado, anotando tudo o que se passava nos jogos. Sabia de cor a quantidade exata dos gols feitos e perdidos, passes certos e errados, faltas sofridas e recebidas, cartões amarelos e vermelhos do pai desde a primeira vez em que o acompanhou numa pelada de fim de semana.

Mariana, a mãe, foi contra as idas para os campos, no começo. Queria proteger o filho o tempo todo. Temia que a agressividade do pequeno Mateus com as outras crianças e a sua dificuldade em se comunicar com os adultos lhe trouxessem problemas. Encorajada pelos médicos, deixou Mateus partir com Fernando, certa de que a cumplicidade dos dois e a idolatria que o filho tinha pelo pai faria com que tudo corresse bem. Ainda que seu coração de mãe ficasse receoso e apertado a cada saída de casa.

Mas, no final das contas, ela acertou em encorajar a vontade do filho. Ainda que, no princípio, as pessoas estranhassem a pequena figura que dispensava carinhos e conversas com estranhos, o bravo Mateus se deu bem no ambiente esportivo dos clubes e campos de várzea de Belo Horizonte. O jeito peculiar de gesticular, estranho para a maioria, acabou se tornando rotina por onde Fernando jogava, e Mateus virou uma espécie de mascote do time da empresa.

E então, chegou o dia da final do campeonato. Mateus, que sempre detalhava para Fernando tudo sobre o adversário, antes dos jogos, desta vez foi além. Pediu para o pai a medalha de ouro, caso o time fosse campeão. O pai, obviamente, concordou com o pedido, deu o beijo de sempre no filho e partiu para o jogo. A partida terminou empatada e foi para a cruel decisão por pênaltis. O destino fez com que Fernando batesse o último. Mateus, sentado no banco de reservas, gesticulava freneticamente para que o pai não chutasse no canto direito do goleiro adversário.

Foi exatamente o que Fernando fez, e o time de coração do pequeno Mateus teve que se contentar com o vicecampeonato. Pai e filho não ficaram no clube após o jogo, como costumeiramente faziam todos os domingos. Fernando chegou em casa, colocou um bolero baixinho no empoeirado toca-discos, serviu-se de um whisky sem gelo e ficou lamentando, pra si mesmo, a medalha de ouro que não conseguiu dar para o filho. Mariana ficou preocupada com a cena e tentou falar com o marido. Foi contida por Mateus, que disse pra mãe, com um ar de sabedoria e tranquilidade.

- Liga não, mãe. O pai tá triste porque não sabe bater pênaltis.

2 comentários:

  1. Marco Antonio, parabéns, o texto é de emocionar mesmo. Gostaria de sua autorização para publicar em um blog de pais de crianças com autismo. Vai ser muito útil na luta contra o preconceito. Obrigada! Márcia Luz - São Paulo

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  2. Muito bonito o texto, Marcoline!
    Parabéns!
    abraço

    Mateus Zocratto

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