I
É muito difícil apontar com exatidão o caminho certo rumo ao
sucesso. Qual direção tomar, como escapar das armadilhas e quando usar os
atalhos. É preciso talento e competência, é claro. Uma boa dose de sorte sempre
faz bem. Estar no lugar certo na hora exata. E, às vezes, contar com um Aranha
machucado e um holandês que veio do Suriname.
II
Em 1972, o Clube do Remo, de Belém, disputava a primeira
divisão do Campeonato Brasileiro. A campanha do time paraense foi até razoável.
Entre 26 participantes, terminou na 17ª colocação, com direito a uma vitória
sobre o Flamengo e a jogos duros contra várias equipes tradicionais do Brasil. O
craque do Remo era o lateral direito Aranha. Verdade. Prova disto é a Bola de
Prata de melhor jogador da posição dada a ele pela Revista Placar.
Aranha se machucou num jogo contra o Atlético-MG, na
antepenúltima rodada da competição, e é aí que começa nossa história. O técnico
do Remo naquela partida era François Thijm, um holandês nascido no Suriname,
que também acumulava as funções de goleiro reserva do time, massagista e
roupeiro. Sem outro lateral no banco, François ficou totalmente perdido, sem
saber quem improvisar no lugar de seu craque. Como o cargo de auxiliar técnico
era raridade naquele tempo, o holandês ouviu os conselhos dos outros jogadores
do banco, e mandou para o campo um meia direita carioca de 22 anos, com uma
frase emblemática que nunca foi esquecida:
- Já que não tem ninguém, vai você mesmo.
O jovem meia, revelado pelo Bonsucesso, e com poucas chances
no Remo até aquele momento, entrou no jogo, cumpriu seu papel discretamente e
saiu sem ser percebido. Seu nome era Nelinho.
Três dias depois, o Remo voltou a jogar. O adversário foi o
Fluminense. Sem opções no elenco, François escalou Nelinho como titular na
lateral direita e, mais uma vez, o improvisado meia direita deu conta do recado
sem chamar a atenção.
Já desclassificado da competição, o Remo ainda tinha mais
uma partida, apenas para cumprir tabela. Pela frente, o poderoso Cruzeiro de
Raul, Piazza e Dirceu Lopes. Em 1972, as notícias não circulavam com a
velocidade de hoje, mas, ainda assim, chegou aos ouvidos do time mineiro a
informação de que o paraense estava jogando com um lateral direito falso. O
técnico cruzeirense Hilton Chaves tratou de escalar Rivaldo, um ponta esquerda
veloz e habilidoso, para tentar tirar proveito do ponto fraco do Remo.
Acontece que, naquela tarde, Nelinho fez a melhor partida de
sua vida até então. Além de ter anulado Rivaldo, ele driblou, comandou o Remo e
foi importante também no ataque. Impressionados, os dirigentes cruzeirenses
logo fizeram contato com o cabeludo de chute forte e não demoraram muito para acertar
sua contratação. Do resto da história todo mundo sabe. Nelinho se tornaria o
maior lateral direito do Cruzeiro de todos os tempos, seria peça fundamental no
primeiro título do clube na Taça Libertadores e disputaria duas Copas do Mundo
com a Seleção.
III
O sucesso meteórico de Nelinho no Cruzeiro chamou a atenção
da diretoria do rival Atlético. A lógica da turma do Galo realmente fazia
sentido.
- Se Nelinho, que era reserva do Remo, joga tanta bola,
imagina o que deve fazer Aranha, que era o titular?
Aranha foi contratado pelo Galo com status de grande reforço
e encheu a torcida alvinegra de esperanças de também ter o seu Nelinho. Aliás,
de ter um Nelinho ainda melhor.
O ex-jogador do Remo, contudo, foi um fracasso retumbante.
Aranha se deu melhor na noite de Belo Horizonte do que dentro de campo, e, com
apenas 18 partidas disputadas com a camisa do Atlético, arrumou as malas e voltou
para Belém do Pará. Deixando um gosto amargo em todos os atleticanos.
IV
Ninguém dotado de sua perfeita razão poderia imaginar um dia
que Nelinho, ídolo e referência do Cruzeiro, durante quase uma década, terminaria
sua carreira jogando justamente no rival Atlético. Mais do que isto. Jogando
bem, fazendo gols, conquistando títulos e entrando para a história como o maior
lateral direito do Galo, repetindo o que havia feito na Raposa.
Pois foi exatamente o que se passou. Depois de 410 jogos e
105 gols com a camisa do Cruzeiro, Nelinho deixou o clube após a contratação do
desafeto técnico Yustrich. A grande surpresa foi o destino do lateral. A
verdade é que, num primeiro momento, tanto cruzeirenses como atleticanos desconfiaram
do sucesso de Nelinho no Galo. Com 32 anos e totalmente identificado com o
arqui-inimigo, era improvável que ele se desse bem no novo time.
A personalidade forte do lateral falou mais alto e, de
inimigo, ele se tornou ídolo da torcida do Atlético, que, depois de muito
tempo, com a mesma moeda, deu o troco no rival que um dia riu do insucesso de
Aranha.
V
É difícil entender o caminho que leva ao sucesso. Ele vai
lado a lado com o que conduz ao fracasso e, qualquer pequeno fator, pode mudar
o rumo da história. A de Nelinho foi brilhante. E teve Aranha machucado, um
holandês do Suriname e talento. Muito talento.