terça-feira, 19 de julho de 2011

O clássico das praias

Por Cássio Arreguy*


Era uma tarde ensolarada de sábado em Santos. Um calor litorâneo, inclemente, sem pátria. Movido pela paixão ao bom e velho ludopédio, larguei mão dos afazeres diversos e satisfeito fui com meu amigo Marcão ao Ulrico Mursa, palco de um confronto cheio de história e de simbolismos, o famoso “Clássico das Praias”.

De um lado a anfitriã Portuguesa Santista, a lusinha, Briosa pros íntimos, representante portuguesa daquela outrora pacata vila de pescadores. Como visitante, o aguerrido e teimoso sobrevivente Jabaquara, o Jabuca, orgulho dos espanhóis que o fundaram com o nome de Hespanha para lembrar da terra natal.

No velho estádio, os dois rivais se perfilam para a execução do hino brasileiro. Com respeito, todos ouvem atentamente, mas a ansiedade não dava margem a demoras. Mal acabou a solene abertura do evento e a pequena e valente torcida visitante, reforçada pelos dois mineiros ludopédicos, bradou orgulhosamente suas músicas e provocações. Na cidade onde quem dá bola é o time de Neymar e Ganso, sob a sombra de Pelé e companhia, ainda há espaço para que dois antigos adversários escrevam mais um capítulo de uma suada e ingrata sobrevivência.

Ostentando as cores da bandeira espanhola, o Jabuca já foi considerado o adversário mais temido e ferrenho do vizinho e poderosíssimo Santos, com todas as suas estrelas. Pelé, Coutinho, Zito, Pagão, Mengálvio, todos tremiam ante a feroz e dedicada equipe de Getúlio, Melão, Célio, Ramiro e Feijó. Pouco importa se a maior goleada imposta ao peixe foi há mais de 50 anos. A claque jabucarina não silenciou um minuto sequer da peleja. Refrões e rimas sempre aludiam aos adversários. Manoel, Joaquim, padeiro, bacalhau, tudo servia de mote para a criatividade provocadora dos adeptos do Leão da Caneleira. A revolta pelo “descaso” dos portugas, que cobraram 20 reais dos pobres torcedores do Jabuca, inclusive das crianças (!) serviu apenas para alimentar ainda mais a fúria dos ‘espanhóis”. Seu Hilário Garcia (óbvio), torcedor símbolo jabaquarense, de 70 anos, aproximadamente, vestido dos pés à cabeça com o rubro-amarelo e sotaque bem carregado, descarregou impropérios diversos pelo que considerava uma covardia típica dos patrícios.

Na “guerra” ibérica que presenciamos, o campo de jogo era o Tratado de Tordesilhas para dividir as colônias. Mesmo em maioria, os briosos torcedores lusinos se calaram diante do barulho dos súditos do rei Juan Carlos. O bastante para contagiar os intrusos forasteiros mineiros, que aderiram àquele sincero e comovente exército de brancaleone no desafio aos poderosos. O resultado final, 3 a 1 para a Portuguesa, mostrou superioridade de uma equipe mais bem preparada e estruturada, mas não foi capaz de apagar o entusiasmo e a devoção dos 80 abnegados (sim, eu contei), que sofreram por causa do calor e do pouco futebol. Para nós, foi mais uma demonstração do quanto significa o velho ludopédio.


* Cássio Arreguy é um sujeito inteligente, divertido e de um humor afiado. Além de meu amigo, é jornalista e assessor de imprensa do Atlético-MG.

Um comentário:

  1. Bacana demais!

    Esses jogos 'sumidos', como de XV de Jaú e Juventus, na Rua Javari, por exemplo, sempre vão render boas histórias. Principalmente pelos apaixonados por futebol!

    Abs à dupla!

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