domingo, 17 de julho de 2011

O bolero do pênalti perdido – parte II

Passei uns dias fora de casa nas últimas semanas, numa viagem de trabalho. Voltei pra BH neste domingo e cheguei a tempo de ver o jogo da seleção brasileira contra a paraguaia, pela Copa América.

Liguei pra uma meia dúzia de três ou quatro amigos e nenhum pôde – ou quis – me acompanhar no futebol etílico de fim de tarde. Somei isto ao longo tempo de solidão, aos problemas cotidianos e às contas atrasadas, e fui fazer o que sei de melhor: beber sozinho num boteco escuro qualquer.

Parei pra assistir ao jogo, com mais interesse no conteúdo do copo e na gente estranha do lugar do que no futebol propriamente dito. E eis que o resto do dia iria se revelar mais interessante do que eu jamais poderia supor.

Seu time perder um pênalti numa partida de futebol é normal. Dois já é abuso. Três é um absurdo total. Desperdiçar quatro cobranças então, em menos de cinco minutos, é coisa que beira o caos e as raias do inimaginável. Pois não foi exatamente isto que aconteceu com o Brasil?

Não que eu estivesse torcendo demais pra seleção ou concentrado na inglória peleja, mas o fato é que perder daquela forma mexeu comigo e com meus novos amigos da bizarra espelunca em que eu havia me metido.

O dono do bar tratou logo de desligar a TV e chamar a atenção para um show que iria começar em breve, num decrépito palco, que eu ainda não havia reparado, localizado nos fundos da casa.

A orquestra – peco aqui pelo exagero, já que eram apenas três os músicos septuagenários – tocou durante duas horas, sem parar. Figuras das mais estranhas possíveis deixaram de lado o dia-a-dia obscuro, miserável e torturante, para se entregar à dança, como se aquilo fosse a última coisa que os restasse.

Eu permaneci onde estava. Observando tudo e lamentando a sorte dos pobres infelizes ali. Não menos desafortunada que a minha, é claro. Até que criei coragem e pedi ao crooner para cantar uma canção.

Pedido atendido, enchi o pulmão para homenagear o grande Waldick Soriano. Desafinado, fora do compasso e cambaleante, percebi que todo aquele vexame não seria em vão, quando um senhor magro, quase esquelético, terno surrado, flor na lapela, convidou uma dama encardida, pálida e solitária, para aquela contradança.

Olhos nos olhos, mãos apertadas, e depois os rostos colados. Os dois cantando baixinho, ao som da canção que eu roucamente castigava. Até que veio o beijo. E a sensação de que nada daquilo tinha sido em vão. A bebedeira, o vexame, os pênaltis perdidos pela seleção.

Por mais maldita que estivesse sendo minha existência naquele dia, o beijo apaixonado ao som do meu bolero, serviu para me acalmar, me dar paz e me fazer seguir para o próximo copo com a estranha sensação de dever cumprido.

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