sábado, 2 de agosto de 2014

O Aranha machucado, o holandês do Suriname e o meia que virou lateral



I

É muito difícil apontar com exatidão o caminho certo rumo ao sucesso. Qual direção tomar, como escapar das armadilhas e quando usar os atalhos. É preciso talento e competência, é claro. Uma boa dose de sorte sempre faz bem. Estar no lugar certo na hora exata. E, às vezes, contar com um Aranha machucado e um holandês que veio do Suriname.


II                                                                                                                          


Em 1972, o Clube do Remo, de Belém, disputava a primeira divisão do Campeonato Brasileiro. A campanha do time paraense foi até razoável. Entre 26 participantes, terminou na 17ª colocação, com direito a uma vitória sobre o Flamengo e a jogos duros contra várias equipes tradicionais do Brasil. O craque do Remo era o lateral direito Aranha. Verdade. Prova disto é a Bola de Prata de melhor jogador da posição dada a ele pela Revista Placar.

Aranha se machucou num jogo contra o Atlético-MG, na antepenúltima rodada da competição, e é aí que começa nossa história. O técnico do Remo naquela partida era François Thijm, um holandês nascido no Suriname, que também acumulava as funções de goleiro reserva do time, massagista e roupeiro. Sem outro lateral no banco, François ficou totalmente perdido, sem saber quem improvisar no lugar de seu craque. Como o cargo de auxiliar técnico era raridade naquele tempo, o holandês ouviu os conselhos dos outros jogadores do banco, e mandou para o campo um meia direita carioca de 22 anos, com uma frase emblemática que nunca foi esquecida:

- Já que não tem ninguém, vai você mesmo.

O jovem meia, revelado pelo Bonsucesso, e com poucas chances no Remo até aquele momento, entrou no jogo, cumpriu seu papel discretamente e saiu sem ser percebido. Seu nome era Nelinho.

Três dias depois, o Remo voltou a jogar. O adversário foi o Fluminense. Sem opções no elenco, François escalou Nelinho como titular na lateral direita e, mais uma vez, o improvisado meia direita deu conta do recado sem chamar a atenção.

Já desclassificado da competição, o Remo ainda tinha mais uma partida, apenas para cumprir tabela. Pela frente, o poderoso Cruzeiro de Raul, Piazza e Dirceu Lopes. Em 1972, as notícias não circulavam com a velocidade de hoje, mas, ainda assim, chegou aos ouvidos do time mineiro a informação de que o paraense estava jogando com um lateral direito falso. O técnico cruzeirense Hilton Chaves tratou de escalar Rivaldo, um ponta esquerda veloz e habilidoso, para tentar tirar proveito do ponto fraco do Remo.

Acontece que, naquela tarde, Nelinho fez a melhor partida de sua vida até então. Além de ter anulado Rivaldo, ele driblou, comandou o Remo e foi importante também no ataque. Impressionados, os dirigentes cruzeirenses logo fizeram contato com o cabeludo de chute forte e não demoraram muito para acertar sua contratação. Do resto da história todo mundo sabe. Nelinho se tornaria o maior lateral direito do Cruzeiro de todos os tempos, seria peça fundamental no primeiro título do clube na Taça Libertadores e disputaria duas Copas do Mundo com a Seleção.


III


O sucesso meteórico de Nelinho no Cruzeiro chamou a atenção da diretoria do rival Atlético. A lógica da turma do Galo realmente fazia sentido.

- Se Nelinho, que era reserva do Remo, joga tanta bola, imagina o que deve fazer Aranha, que era o titular?

Aranha foi contratado pelo Galo com status de grande reforço e encheu a torcida alvinegra de esperanças de também ter o seu Nelinho. Aliás, de ter um Nelinho ainda melhor.

O ex-jogador do Remo, contudo, foi um fracasso retumbante. Aranha se deu melhor na noite de Belo Horizonte do que dentro de campo, e, com apenas 18 partidas disputadas com a camisa do Atlético, arrumou as malas e voltou para Belém do Pará. Deixando um gosto amargo em todos os atleticanos.


IV


Ninguém dotado de sua perfeita razão poderia imaginar um dia que Nelinho, ídolo e referência do Cruzeiro, durante quase uma década, terminaria sua carreira jogando justamente no rival Atlético. Mais do que isto. Jogando bem, fazendo gols, conquistando títulos e entrando para a história como o maior lateral direito do Galo, repetindo o que havia feito na Raposa.

Pois foi exatamente o que se passou. Depois de 410 jogos e 105 gols com a camisa do Cruzeiro, Nelinho deixou o clube após a contratação do desafeto técnico Yustrich. A grande surpresa foi o destino do lateral. A verdade é que, num primeiro momento, tanto cruzeirenses como atleticanos desconfiaram do sucesso de Nelinho no Galo. Com 32 anos e totalmente identificado com o arqui-inimigo, era improvável que ele se desse bem no novo time.

A personalidade forte do lateral falou mais alto e, de inimigo, ele se tornou ídolo da torcida do Atlético, que, depois de muito tempo, com a mesma moeda, deu o troco no rival que um dia riu do insucesso de Aranha.


V


É difícil entender o caminho que leva ao sucesso. Ele vai lado a lado com o que conduz ao fracasso e, qualquer pequeno fator, pode mudar o rumo da história. A de Nelinho foi brilhante. E teve Aranha machucado, um holandês do Suriname e talento. Muito talento.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

É Copa do Mundo!


O genial Renan Damasceno teve uma ideia fantástica. Compartilhou em seu perfil no Facebook histórias marcantes que viveu durante Copas do Mundo passadas. Achei tão legal que resolvi fazer o mesmo. Perdoa o plágio descarado, Renan, peço que encare como uma homenagem. Vou além. Sugiro que todos façam o mesmo. Vai sair muita lorota boa.

Pra não ficar tão parecido com o post do meu amigo, resolvi dividir o texto em tópicos, com cada edição da Copa que vi. Antes de escrever, já imagino o prazer que terei ao fazer. Viva a Copa do Mundo! E viva o Renan Damasceno!


1982 – Copa da Espanha – 5 anos de idade


Acreditem. Eu me lembro de muitas passagens da Copa de 1982, mesmo tão novo. A mais marcante foi após o jogo entre Alemanha Ocidental e Chile, que eu vi sozinho na sala. Meu pai estava trabalhando e minha mãe e minha irmã Carla faziam outra coisa qualquer no quarto. Meu velho e eu tínhamos uma tabelinha de bolso que atualizávamos toda noite. Ele chegou em casa depois do trampo, pegou a tabela e me chamou pra ajudá-lo, como de costume. Perguntou pra minha mãe quanto tinha sido Alemanha x Chile. Ela não sabia. Mas eu mandei de cara: - 4 a 1 pra Alemanha. Ele me olhou espantado, mas acreditou e marcou na tabela. Depois, na hora do jornal e da confirmação do resultado, abriu um sorrisão e deixou a tabelinha sob minha responsabilidade a partir de então.

Eu sonhava em ser o Dasaev, goleiro da União Soviética. Até hoje me lembro daquele CCCP na camisa dele.


1986 – Copa do México – 9 anos

 
Desta me lembro de quase tudo. Foi a primeira vez que sofri com futebol. Carla e eu gastamos o troquinho que tínhamos pra comprar bombinhas bem no jogo com a França. Eu fiquei puto demais com a derrota injusta. E mais ainda por Zico ter sido o vilão. Eu já era fã dele.

Torci escondido pelo Maradona. E achei a camisa da Dinamarca a mais legal que já tinha visto. Nunca masquei tanto chiclete na vida. As figurinhas da Copa vinham no Ping Pong. Nesta época, cultivei uma grande colônia de cáries.


1990 – Copa da Itália – 13 anos


A Copa de 90 foi a que vivi com mais intensidade. Foi nesta época que decidi ser jornalista esportivo. Acho que até hoje me lembro do resultado de todos os jogos. Pena que foi uma Copa terrível tecnicamente, a pior da história. Eu preenchi mais de 50 tabelas. Acho que ainda estão guardadas em algum lugar da casa da minha mãe.

Mesmo detestando o Lazaroni, fiquei chateado com a derrota do Brasil para a Argentina. Passei a torcer pra Itália. Outro toco argentino. Na final, torci pro Maradona e levei ferro mais uma vez. Foi brabo!

Anos depois, me encontrei com o Goycochea, goleiro argentino, bati um bom papo e tomei cerveja com ele. Tenho uma foto pra provar!


1994 – Copa dos EUA – 17 anos


Minha primeira Copa etílica! Fiz festa como um louco. Vi os quatro primeiros jogos do Brasil em BH e os três últimos em Várzea da Palma.

Comemorei muito o tetra, de verdade. Pela primeira vez chorei pela Seleção. Tá certo que eu vi o jogo virado, num porre histórico. Mas chorei...

Sofri as dores de Maradona e de Baggio como se fossem minhas. Até hoje não entendo esta mistura de euforia e tristeza após o pênalti que o italiano bateu como um tiro de meta. Talvez metade das minhas lágrimas tenham sido pelo Baggio.


1998 – Copa da França – 21 anos


Torci como um doido pra Seleção. Nada a ver com futebol. A cada vitória, Belo Horizonte se transformava num grande carnaval e eu estava no auge desta fase.

A final contra a França teve um lance engraçado demais. Meu amigo Claudão e eu fomos pra casa da família Ubaldo ver o jogo. Claudão tem quase dois metros, era magrelo na época, estava com a barba por fazer e vestia uma camisa apertadaça da Seleção. Quando chegou perto da turma, o coro foi unânime:

- Sócrates! Sócrates! Sócrates!


2002 – Copa do Japão / Coreia do Sul – 25 anos


Esta Copa foi bem diferente de todas as outras. Em 2002, eu vivia nos Estados Unidos e era taxista. Os jogos na madruga coincidiam com meu horário de trabalho. Eu parava pra ver e logo voltava pro batente. Com exceção da final, que foi no começo da manhã. Levei Sajid, um amigo paquistanês, comigo pra um bar brasileiro. Foi emocionante ver o penta longe de casa. Deu uma saudade louca de tudo aqui. A festa em Newark foi gigante, com a brasileirada chutando o balde. Meu amigo do Paquistão ficou louco com a bagunça e a mulherada de biquíni no meio da rua.

O mais marcante de tudo foi ver a comemoração dos brasileiros na frente dos portugueses, que também são muitos em New Jersey. O Brasil tem cinco títulos no futebol e Portugal já ganhou o Prêmio Nobel duas vezes. Os caras passavam horas brigando por isto.


2006 – Copa da Alemanha – 29 anos


Foi uma Copa meio chata pra mim. Eu já não estava na idade de fazer farra na rua e tinha muitos problemas pessoais pra me concentrar nos jogos. A morte do Bussunda durante o evento me chateou ainda mais. Foi como ter perdido um amigo próximo, mesmo sem tê-lo conhecido. Acompanhei tudo mais por obrigação profissional do que por prazer.

A Itália ter vencido foi muito bom. Lembro de ter visto os jogos da Azzura com minha irmã Carolina. Até hoje somos fãs declarados do Buffa.


2010 – Copa da África do Sul – 33 anos


Nesta Copa, o bolão me fez torcer fanaticamente em cada partida, até mesmo num modorrento duelo entre Eslováquia e Nova Zelândia. Valeu a pena! Faturei uns trocados no final. Primeirão entre mais de 40 bobalhões!

O álbum da Copa foi outro ponto marcante. Voltei a ser criança ao trocar figurinhas com meus alunos de violão. Até jogar tapão com eles eu joguei.

O que vou levar pra toda vida desta Copa é a imagem do meu grande ídolo Nélson Mandela colhendo o que plantou. Valeu, Madiba!

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Hércules

A vida nunca foi fácil pro Hércules. Mas duvido que exista força humana capaz de derrubar este garoto. Cria legítima do Suzana, bairro da periferia de Belo Horizonte, ele faz questão de exaltar as raízes por onde passa. Tanto que chega a exagerar em alguns momentos. Hércules nunca deixou de ser bom filho, bom irmão e bom tio. Hoje é um ótimo marido. E, no que me diz respeito, é um excelente amigo.

Caçula que viu o pai ir embora cedo, Hércules teve que aprender rápido a dificuldade do ter e a importância do fazer. Transformou cada pancada em uma lição e nunca deixou as porradas mais pesadas o derrubarem de vez. Descobriu logo como se virar. E jamais buscou abrigo no caminho mais curto e tenebroso para se dar bem.

Eu conheço de perto o carisma do Hércules. Na verdade, a vontade irritante de tentar afastar as pessoas de perto de si é que o torna uma fígura tão ímpar, cativante e popular. Hércules não é daqueles amigos que precisa de você e de sua tesoura voadora numa briga. Simplesmente porque não há como brigar com Hércules. Eu até já quis algumas vezes, mas aí é maluquice minha e isto não interessa porque estou falando muito de mim no texto dele. Voltemos então.

Hércules soube aproveitar os dons e os vários talentos que Deus lhe deu para trilhar sua estrada. Rompeu barreiras que muitas vezes surgiram por causa da classe social e da cor da pele, num país de racismo hipócrita como é o Brasil. Hércules desanimou muitas vezes. Chegou a pensar em parar, mas é aí que entra a Dani, companheira de vida, de rock e de esperança. Ela foi estímulo, inspiração e fonte de energia pra ele. E só Deus sabe os perrengues que ela passou quando ele se sentiu impotente e rebaixado.

Eu tenho certeza que vou ver Hércules narrando uma final de Copa do Mundo na TV. É a ordem natural das coisas. É o destino de quem só faz o bem a quem o cerca. É a hora de quem planta paz colher os frutos da honestidade.

Hércules Santos é um guitarrista nota 7. Um cantor nota 8. Um mala sem alça nota 9. Um filho, irmão, tio e marido nota 10. E um amigo nota 11. Que Deus continue te abençoando e enchendo sua vida de bondade, saúde e felicidades! Arrebenta, garoto. Eu sou seu fã!

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A ciência


A ciência explica facilmente porque você é louco por cerveja e não resiste a uma picanha mal passada sobre um bocadinho de arroz branco. Seu insaciável apetite por lasanhas, moquecas e feijoadas, em todas as ocasiões, também é artigo de simples entendimento para qualquer sujeito de jaleco branco. O mesmo vale para chocolates, doces e pudins das mais variadas espécies. Meia hora de leitura sobre as papilas gustativas da língua humana e sobre as propriedades dos alimentos, tais como cheiro, textura e, principalmente, sabor, dissipam todas as possíveis dúvidas.

A ciência explica tranquilamente porque você perde a calma, o juízo e a razão quando chega perto daquela morena. E também é capaz de elucidar o mistério do porquê todo o processo se repetir ao lado da loira. E da mulata. E da ruiva. Na verdade, a culpa não é sua. Seu corpo carrega uns negócios chamados hormônios que desencadeiam reações que você conhece bem, sabe exatamente como funciona, mas nunca consegue impedir que avacalhem com sua vida. Talvez seja melhor assim.

A ciência explica didaticamente e de forma bem simples porque você chora, ri e dorme. E também porque fica irritado, empolgado e chateado. Explica porque você sente dor e até mesmo porque alguns de vocês têm prazer nisso. Explica porque você é gordo, magro, gago, sonso, campeão dos 100 metros rasos ou bom em matemática. Explica porque você não pode transformar ferro em ouro e nem passar por aqui sem morrer.

Enfim, a ciência explica praticamente tudo que existe neste mundo. Mas ainda há um mistério que não foi elucidado. E eu desafio qualquer doutor a decifrá-lo. O que leva um ser humano, dono de suas perfeitas faculdades mentais, a ser torcedor fanático de um clube de futebol? Veja bem que a dúvida não está em gostar ou não do esporte, mas em ser apaixonado por um determinado time. Sim, qualquer um, incluindo os poderosos Barcelona, Bayern de Munique, Manchester United e Milan. Porque até eles já passaram por fases tenebrosas em algum momento da história.

Chega um dia em que você para pra pensar. Sua vida vai muito bem, no final das contas. Está resolvido no amor, trabalha com o que gosta e ainda é bem remunerado por isto. A saúde está perfeita, os amigos estão por perto e a família vive feliz. Você sabe que está sendo fiel com seus ideais e honesto com quem o rodeia. Mas aí seu time toma uma goleada do maior rival e nada mais presta em sua existência. A dor invade seu peito e a tristeza e a raiva te consomem. Além de te impedirem de sair de casa, se relacionar com outras pessoas e até mesmo de viver em sociedade.

A ciência não explica isso. Não há fórmula, teorema ou axioma que responda tamanha aberração. É mais ou menos o mesmo que acontece naqueles dias em que você se descobre só, abandonado e triste. Vivendo miseravelmente entre melancolia e inércia, entre tosse e pigarro, numa existência que você considera inútil, contando os minutos para o fim desta tortura chegar. Até que seu time dá uma surra no maldito rival e subitamente tudo muda. Você vira dono de vinte Ferraris, de uma ogiva nuclear ou de um ranchinho ao pé da serra, não importa o tamanho de sua ambição nesta hora. O que é certo e o que conta pra você é a sensação de poder e invencibilidade. Você é o cara mais feliz do mundo e vai gritar pro mundo inteiro ouvir.

O homem já conseguiu respostas para praticamente todas as perguntas. Mas algumas ainda continuam sendo enormes enigmas, embora a humanidade tenha feito consideráveis progressos tecnológicos nesta eterna busca. Certas dúvidas, entretanto, devem permanecer incomodando por mais um tempo. Qual a origem da vida? Para onde vamos após a morte? Por que as pessoas torcem para um time de futebol? Tantas incertezas, tantos mistérios...

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Dirigir em BH


Dirigir em Belo Horizonte está cada vez mais difícil e estressante. É a sensação que tenho e que percebo ser comum em muitos outros conterrâneos. Antes que alguém diga que é por causa do excessivo número de carros nas ruas, lembro que o fenômeno acontece em todas as cidades do país, mas o que vejo em BH só reparo por aqui mesmo.

Por causa do meu trabalho, dirijo nas principais capitais do Brasil, apenas três ou quatro dias por ano, é verdade, mas o suficiente para notar algumas coisas. Porto Alegre, Recife e Salvador também sofrem com a grande quantidade de carros nas ruas, causa lógica de engarrafamentos e lentidões. Até mesmo Curitiba, referência mundial em transporte público de qualidade e trânsito organizado, passa pelo problema. Não vou abordar Rio e São Paulo neste quesito, por motivos óbvios.

A diferença que vejo em Belo Horizonte, em relação a todas estas cidades, e também a Goiânia, Florianópolis, Maceió, Campinas e São Luís, é a educação do motorista da capital mineira. Volto a repetir que dirijo apenas alguns dias por ano nestes outros lugares e praticamente doze meses por ano aqui, mas a nítida impressão que tenho é que nós somos mais mal-educados que os outros.

Parece que o mineiro está na guerra quando dirige. Lembrando aquele desenho do Pateta, de 1950, em que ele se transforma de um dócil senhor em um monstro raivoso, após alguns minutos no tráfego pesado. Não é muito difícil presenciar nas ruas da cidade discussões com xingamentos, dedos em riste e em outras posições menos elegantes. O belo-horizontino já entra em seu carro armado de impaciência, raiva e intolerância, esperando o pior no caminho para o trabalho, para a escola ou para a casa, e disposto, em alguns casos, a partir das ameaças para as vias de fato.

Outro aspecto que percebo é a necessidade de levar vantagem em tudo. O motorista daqui prefere fechar um cruzamento ou deixar de ceder passagem a outro pensando que está salvando alguns segundos do seu dia, quando, na verdade, está colaborando para a construção de algo muito maior e vai fazer muito mais gente perder tempo, incluindo ele mesmo, é claro. O motorista belo-horizontino parece sentir um golpe em sua honra quando outro carro o ultrapassa ou entra em sua frente em uma grande avenida num congestionamento.

Melhorar toda esta conjuntura não é fácil e exige sacrifício, paciência e, principalmente, mudança total de hábitos e atitudes. Textos como este em redes sociais podem ajudar sim, mas a grande iniciativa tem que partir do poder público. Vejo a BHTrans muito mais preocupada em tomar medidas paliativas e arrecadar com multas do que em organizar grandes campanhas de educação e gentileza no trânsito, envolvendo todos os setores da sociedade, e convidando o cidadão a se envolver e ser parte efetiva deste processo de mudança.

Nasci, cresci e morei em Belo Horizonte durante praticamente toda minha vida. Sei que não somos mal-educados nem egoístas e que, quando queremos, sabemos nos envolver em causas importantes e que trazem o bem comum. Cobrar do poder público um transporte coletivo que realmente funcione vai diminuir o número de carros nas ruas. Isto também podemos fazer. Mas o que nos cabe agora é mudar os próprios hábitos. Cada um de nós pode pensar no que está fazendo ao volante e em como se comporta nas ruas da cidade. Para começar a diminuir a tortura que é andar de carro em Belo Horizonte por míseros dez minutos.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Socando políticos


Semana passada, em um restaurante do Horto, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, colado no Jardim Botânico, o músico carioca Bernardo Botkay e sua namorada se levantaram da mesa em que jantavam, foram até onde Eduardo Paes, o prefeito da cidade, também comia com a esposa, e começaram a xingá-lo. Ficaram por ali, falando o que queriam com o político, por cerca de dois minutos. O termo mais recorrente dito pelo casal foi ‘seu bosta’. A brincadeira perdeu a graça e os dois voltaram para a própria mesa.

Ainda insatisfeitos com a reação do prefeito e com a quantidade de impropérios que tinham falado até então, o músico e a namorada voltaram ao posto e continuaram a atacar Eduardo Paes. Até que o político chegou ao seu limite, perdeu a paciência e acertou dois socos no rosto de Bernardo. Tudo sob os atentos olhares de uma preparada equipe de seguranças, é bom que se diga.

Se os detalhes da confusão estão perfeitamente relatados ou não é indiferente, porque não fugiu muito disso. Tomando como base o que Botkay postou no Facebook, Paes divulgou através de sua assessoria e os relatos da imprensa e da polícia, a história é praticamente esta. Aquele típico conto onde não há mocinhos, heróis nem final feliz. Assim mesmo, triste, deprimente e melancólico.

Não quero aqui fazer uma análise da vida pública de Eduardo Paes. Simplesmente porque não vem ao caso. Tenho minha opinião formada sobre o prefeito do Rio. Sei quem ele é, o que fez de bom e de ruim, quem são seus amigos e seus inimigos, quais são seus planos políticos e do que ele é capaz para atingir seus objetivos. Mas, repito, isto não é importante nesta passagem do restaurante do Horto, ainda mais diante da reflexão que este texto quer propor.

Se desde o princípio, o ato de Bernardo Botkay pareceu estúpido e infantil, no final das contas, confirmou tudo isto e acabou por fortalecer a imagem de Eduardo Paes aos olhos da população. Sim, porque se o prefeito está sendo visto por alguns como um homem impulsivo e violento, pela reação que teve, também está sabendo se posicionar diante da mídia como uma vítima que defendeu sua honra e protegeu a esposa diante de uma agressão gratuita em um momento reservado. Ainda mais numa sociedade na qual os jovens não hesitam em expor posições políticas de extrema direita, onde fazer justiça com as próprias mãos é cada vez mais comum. Enfim, Paes deve agradecer a Botkay pela injeção de popularidade que ganhou e que as próximas pesquisas de opinião vão confirmar. Imagina a festa...

Agredir fisicamente – ou verbalmente – outro ser humano nunca foi solução para nenhum problema na Terra. Ainda que você ache que o outro mereça o castigo ou que se sinta realizado com o que fez. O dia seguinte não demora muito a chegar e algumas perguntas óbvias não vão abandonar sua cabeça.

- Valeu a pena? Alguma coisa realmente mudou? Eu me sinto melhor com o que fiz?

Mas, se após todas as reflexões e respostas, você ainda achar que atacar um político na mesa ao lado de um restaurante valha a pena, que seja ele a deixar o lugar sangrando e não você.


sábado, 18 de maio de 2013

O barraco do Tonim


O barraco do Tonim nunca foi lá essas coisas. Apenas quatro cômodos, sem reboco, chão batido, nada de piso, banheiro do lado de fora e muitas goteiras. Tá certo que era firme, todo feito de tijolos e longe da encosta do morro, uma garantia de segurança nos tempos de chuva, o que por si só já fazia do barraco do Tonim um dos melhores daquela região do aglomerado.

A Guiomar sempre se queixava com o marido. Pedia pra ele dar uma guaribada aqui, uma ajeitada ali e uma reparada acolá. Mas o Tonim enrolava, dizia que não tinha tempo nem dinheiro pra reformar o barraco e a vida ia seguindo do jeito que estava. A Guiomar, o Tonim e os cinco filhos, apertados no barraco.

Até que um dia, alguns homens de terno, gravata e sapatos caros subiram o morro. Anunciaram a todos, em vários idiomas, que iam organizar uma grande festa ali. Dessas de arromba, inesquecíveis, para fazer história. Escolheram o barraco do Tonim como principal ponto de apoio do evento, após uma disputa com outros muquifos da vizinhança. Tonim ficou orgulhoso com a vitória sobre os casebres rivais e comemorou com a criançada. A Guiomar, sem entender muito bem tudo aquilo, olhava para o marido com cara desconfiada, enquanto ele ficava rindo sozinho, imaginando a festa.

Os homens de terno, gravata e sapatos caros, que falavam vários idiomas, logo viram que o barraco do Tonim era precário e precisava de muitas melhorias para receber a grande festa. Fizeram uma lista de exigências e deram prazos para ele, que se comprometeu a deixar o barraco no jeito para uma ocasião de tamanha importância como aquela. A Guiomar, coitada, continuava alheia a tudo. Era tão dona do barraco quanto Tonim, mas não tinha sido consultada nem ouvida em nenhum momento.

Entusiasmado com as tarefas que tinha recebido dos homens de terno, gravata e sapatos caros, Tonim começou a trabalhar. Fez um orçamento para saber quanto ia gastar para cumprir todos os itens exigidos por aqueles que falavam vários idiomas. Guiomar se irritou, ao perceber que o marido planejava usar as poucas e suadas economias da família para resolver problemas supérfluos e menos importantes do que a saúde, o bem estar, o conforto e até mesmo a alimentação dos filhos. Convicto do que fazia, Tonim se justificava para a esposa, dizendo que a grande festa ia deixar um legado histórico para a família e para o barraco.

Os problemas de Tonim, entretanto, não demoraram a aparecer. Para cada real que inicialmente planejou gastar, teve que desembolsar mais dois. As obras no barraco estavam atrasadas e os amigos da comunidade que foram convidados para ajudar Tonim no trabalho pareciam querer se aproveitar dele e tirar vantagem no que podiam. Um exemplo disso foi o puxadinho feito na parte leste da casa, que, além de estourar todos os cronogramas dos homens de terno, gravata e sapatos caros, custou dez vezes mais que o previsto. Guiomar já não conseguia mais conter a indignação, ainda mais porque via os filhos acreditando cegamente nas loucuras e promessas que o pai fazia. Segundo Tonim, um dia eles iriam usufruir todos os benefícios que estavam sendo feitos no barraco.

O dia da festa chegou. O barraco estava lindo, pintado, iluminado e com novos móveis. Azulejos, piso importado, copos de cristal e uma medalha de ouro num altar. Com a urgência dos prazos, alguns detalhes ficaram pendentes, mas Tonim não se importou em escondê-los como poeira embaixo do tapete persa que estava na sala. O anfitrião, maravilhado com a multidão de gente que conversava em vários idiomas, não tinha tempo para reparar nos filhos, que, por causa dos gastos extravagantes do pai, não iam mais à escola, adoeciam com frequência e não se alimentavam direito. Cansado das constantes críticas de Guiomar, Tonim seguiu o conselho dos homens de terno, gravata e sapatos caros e mandou a esposa e a criançada para a casa da sogra, num barraco distante do seu.

Algum tempo depois, a festa acabou. Não demorou muito para levarem embora do barraco do Tonim os móveis, os lustres, o piso importado, o altar e os copos de cristal. Levaram também o tapete persa, mas, por algum motivo desconhecido, deixaram a poeira para trás. Só havia restado a medalha de ouro, mas Tonim viu, impotente, um homem de terno, gravata e sapatos caros colocá-la dentro no bolso, antes de sair do barraco.

Exausto e se sentindo traído, Tonim procurou alguém que falasse vários idiomas para receber alguma explicação. Mas todos eles também já tinham ido embora. Desesperado, se lembrou de Guiomar e dos filhos, mas quando se deu conta de que eles nunca mais voltariam porque nenhum legado havia restado daquela festa, sentou no chão e chorou. Não por se sentir só e estúpido, mas por perceber, naquela hora, que tinha perdido o que tinha de mais puro dentro de si: sua dignidade.