Outro dia, viajando pro Rio de Janeiro, encontrei um velho parceiro de futebol na sala de embarque do aeroporto. Ele estava no mesmo voo que eu, coincidentemente, e nos sentamos lado a lado, pra prosear um pouco e relembrar os velhos tempos. Nós jogamos juntos em um time de futebol amador, a Portuguesa, do bairro da Saudade, zona leste de Belo Horizonte, no começo dos anos 1990. A lembrança dele era bem viva em mim porque foram quatro anos na Lusinha. Mas o nome do caboclo não surgia de jeito nenhum. Então, a solução óbvia e mais prática era chamá-lo pelos escapes tradicionais: amigão, parceiro, chegado, meu zagueiro, essas embromações típicas de quem esqueceu o nome do outro.
No começo não me assustei muito porque confiava no potencial da minha memória. Mas o tempo foi passando, chamaram o voo e pensei que ia ganhar do problema por W.O., já que a distância nos separaria assim que embarcássemos. Só que aí o avião vazio permitiu que o ‘amigão’ se sentasse ao meu lado pra continuar o papo e minha tortura pessoal.
O pior era que o danado tinha uma memória do cão! Contava histórias da Lusinha com riqueza de detalhes. Lembrava dos técnicos, das jornadas heróicas em clubes da cidade e de algumas vezes em que saímos corridos de campos barra pesadas da periferia de BH. O papo rolava, o avião já estava bem lá em cima, e nada de lembrar o nome do ‘campeão’.
Quando ele falou o meio-campo do nosso time, em um jogo em que enfrentamos os juniores do América Mineiro, num dia de glória para o bairro, eu praticamente desisti:
- Lembra, cara? Zé Maria, Goiaba, Dudu e Paulinho. Você fez um gol esse dia e perdeu um pênalti. Minha memória não falha. Eu fui expulso no finalzinho, mas a gente ainda ganhou um trofeuzão todo bacana, de mais de um metro de altura.
Caçarola! Era isso mesmo. Até o pênalti que chutei pra fora o sacana recordou. Finalmente chegamos ao Rio e mais uma coincidência nos fez passar mais tempo juntos. Ambos iríamos esperar pessoas que nos buscariam no aeroporto. Eu, uma van do trabalho, e ele, a esposa, que estava na cidade desde a semana anterior. Sentamos num café até esperar a hora certa de sair.
Foi então que finalmente tive um lampejo nas ideias e a sorte facilitou meu trabalho. Lembrei do velho Orkut, site de relacionamentos meio em desuso atualmente. Liguei o computador, com a tela longe dele, fingi que olhava o endereço do hotel, e logo, através de amigo em comum, achei a página do ‘chegado’. Vi o nome e logo me lembrei dos apelidos, do endereço, da profissão. Era a fagulha que o cérebro precisava pra ligar.
Marcinho cabeção! Como eu poderia me esquecer? Grande beque central. Batia até na mãe se a Portuguesa da Saudade precisasse de uma vitória importante. Quando comecei a chamá-lo pelo nome verdadeiro, alguma coisa nos olhos dele mudou. Marcinho ficou meio sem graça, mudando o assunto pra coisas impessoais e fingindo pressa, ao olhar insistentemente o relógio.
Só então eu percebi. Ele só havia me chamado de cara, companheiro, gente boa e coisas parecidas. Era óbvio.
- O picareta também não se lembrava do meu nome!
Me identifiquei demais com a estória, passei por algo semelhante durante um vôo SP/BH e até hoje não me lembro do nome da ex colega de colégio, me lembrei da mãe, da irmã, dos cachorros, da casa onde ela morava, mas o nome até hoje é uma incógnita.
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