segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Os picaretas

Outro dia, viajando pro Rio de Janeiro, encontrei um velho parceiro de futebol na sala de embarque do aeroporto. Ele estava no mesmo voo que eu, coincidentemente, e nos sentamos lado a lado, pra prosear um pouco e relembrar os velhos tempos. Nós jogamos juntos em um time de futebol amador, a Portuguesa, do bairro da Saudade, zona leste de Belo Horizonte, no começo dos anos 1990. A lembrança dele era bem viva em mim porque foram quatro anos na Lusinha. Mas o nome do caboclo não surgia de jeito nenhum. Então, a solução óbvia e mais prática era chamá-lo pelos escapes tradicionais: amigão, parceiro, chegado, meu zagueiro, essas embromações típicas de quem esqueceu o nome do outro.

No começo não me assustei muito porque confiava no potencial da minha memória. Mas o tempo foi passando, chamaram o voo e pensei que ia ganhar do problema por W.O., já que a distância nos separaria assim que embarcássemos. Só que aí o avião vazio permitiu que o ‘amigão’ se sentasse ao meu lado pra continuar o papo e minha tortura pessoal.

O pior era que o danado tinha uma memória do cão! Contava histórias da Lusinha com riqueza de detalhes. Lembrava dos técnicos, das jornadas heróicas em clubes da cidade e de algumas vezes em que saímos corridos de campos barra pesadas da periferia de BH. O papo rolava, o avião já estava bem lá em cima, e nada de lembrar o nome do ‘campeão’.

Quando ele falou o meio-campo do nosso time, em um jogo em que enfrentamos os juniores do América Mineiro, num dia de glória para o bairro, eu praticamente desisti:

- Lembra, cara? Zé Maria, Goiaba, Dudu e Paulinho. Você fez um gol esse dia e perdeu um pênalti. Minha memória não falha. Eu fui expulso no finalzinho, mas a gente ainda ganhou um trofeuzão todo bacana, de mais de um metro de altura.

Caçarola! Era isso mesmo. Até o pênalti que chutei pra fora o sacana recordou. Finalmente chegamos ao Rio e mais uma coincidência nos fez passar mais tempo juntos. Ambos iríamos esperar pessoas que nos buscariam no aeroporto. Eu, uma van do trabalho, e ele, a esposa, que estava na cidade desde a semana anterior. Sentamos num café até esperar a hora certa de sair.

Foi então que finalmente tive um lampejo nas ideias e a sorte facilitou meu trabalho.  Lembrei do velho Orkut, site de relacionamentos meio em desuso atualmente. Liguei o computador, com a tela longe dele, fingi que olhava o endereço do hotel, e logo, através de amigo em comum, achei a página do ‘chegado’. Vi o nome e logo me lembrei dos apelidos, do endereço, da profissão. Era a fagulha que o cérebro precisava pra ligar.

Marcinho cabeção! Como eu poderia me esquecer? Grande beque central. Batia até na mãe se a Portuguesa da Saudade precisasse de uma vitória importante. Quando comecei a chamá-lo pelo nome verdadeiro, alguma coisa nos olhos dele mudou. Marcinho ficou meio sem graça, mudando o assunto pra coisas impessoais e fingindo pressa, ao olhar insistentemente o relógio.

Só então eu percebi. Ele só havia me chamado de cara, companheiro, gente boa e coisas parecidas. Era óbvio.

- O picareta também não se lembrava do meu nome!

Um comentário:

  1. Me identifiquei demais com a estória, passei por algo semelhante durante um vôo SP/BH e até hoje não me lembro do nome da ex colega de colégio, me lembrei da mãe, da irmã, dos cachorros, da casa onde ela morava, mas o nome até hoje é uma incógnita.

    ResponderExcluir