domingo, 9 de outubro de 2011

O dia em que os Beatles jogaram bola em BH

O dia em que os Beatles jogaram bola em BH

Conheça a fantástica história, nunca revelada, sobre a visita do quarteto de Liverpool ao Brasil


Uma história fantástica e jamais revelada ao grande público foi contada esta semana em Belo Horizonte por um vendedor ambulante, morador do tradicional conjunto IAPI, no bairro São Cristóvão, região noroeste da capital. José Carlos Dias, de 74 anos, vive no conjunto habitacional desde 1960, quando deixou Ubá, na zona da mata mineira, com os pais e seis irmãos para tentar a sorte na cidade grande.

Filho mais velho do casal Amantino e Maria José, Zé Carlos já tinha 20 anos quando chegou à capital. Sonhava estudar direito, mas os poucos recursos financeiros da família e a necessidade de trabalhar para ajudar os pais a criar os irmãos mais novos não permitiram que ele concretizasse seus projetos. Trabalhava como vendedor de picolés ambulante e, nos momentos de folga, se divertia jogando futebol nos campos do conjunto IAPI, na época, tranquilo e livre dos problemas de violência que tanto incomodam os moradores hoje em dia.

José Carlos acompanhava de perto o futebol, sua maior paixão, e segundo ele, torceu muito pela seleção brasileira na Copa de 1966, disputada na Inglaterra. O Brasil não conseguiu passar da primeira fase do Mundial, numa de suas piores colocações na história, mas uma passagem pouco conhecida até os dias de hoje, mudou a vida do vendedor ambulante para sempre.


Coincidência


O Brasil disputou a Copa do Mundo da Inglaterra como pleno favorito ao título, já que havia vencido as duas últimas edições da competição, em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile. Os jogadores brasileiros desembarcaram na Inglaterra como ídolos. Fotógrafos e jornalistas se espremeram para conseguir algum registro da seleção. Hugh Smith, repórter do The Guardian, responsável pela cobertura da estadia dos brasileiros em território inglês, conta como foi sua primeira impressão ao ver o desembarque no aeroporto de Heathrow, em Londres.

- Só havia visto algo parecido nos concertos dos Beatles. Era um movimento tão grande quanto, exceto pela histeria, que era, obviamente, menor.

A estreia do Brasil, única vitória canarinha no torneio, foi, coincidentemente, em Liverpool, berço do quarteto musical britânico. O Brasil enfrentou e venceu a Bulgária por 2 a 0, no último jogo em que Pelé e Garrincha defenderam a seleção juntos. A partida foi disputada no tradicional Goodison Park, estádio do Everton, e teve lotação máxima de 48 mil pessoas.

O duelo contra os búlgaros passou para a história como a única exibição convincente do Brasil na Copa de 1966, já que o time seria derrotado posteriormente por Hungria e Portugal, em ambos os jogos por 3 a 1, e voltado para casa como a grande decepção daquele mundial. Exceto por um fato, que ficou escondido por 45 anos e que agora é revelado pelo VELHO LUDOPÉDIO.


Brian Epstein


O empresário dos Beatles, Brian Epstein, considerado por muitos como um dos grandes responsáveis pelo sucesso do quarteto, esteve no Goodison Park na vitória brasileira sobre os búlgaros. Segundo informações, Epstein não era fã de futebol, mas estava pensando em novas estratégias para promover os Beatles. O quarteto havia anunciado, um mês antes, que não faria mais apresentações ao vivo, o que estaria deixando o empresário sem sono. Para Epstein, portanto, um encontro com Pelé, já famoso mundialmente naquela época, seria formidável.

Além disso, as declarações polêmicas de John Lennon, de que os Beatles eram mais populares que Jesus, estavam repercutindo mal em todo o mundo. Então, nada melhor que fazer publicidade com o melhor time de futebol da Copa, no país berço do esporte.

Segundo relatos da época, John Lennon teria sido o primeiro a rechaçar a ideia de Epstein. Já prevendo o fato, o empresário envolveu George Harrison no assunto, sabendo que o Beatle mais jovem era fã ardoroso do futebol e dos brasileiros, em particular. Envolvido com a cultura indiana à época, Harrison não demonstrou interesse imediato no projeto do manager da banda, mas quando ficou sabendo da possibilidade de conhecer Pelé, mudou completamente seu foco.

Paul McCartney, conhecido por sua habilidade em lidar com assuntos de marketing pessoal, logo comprou a ideia e se propôs a convencer Lennon a fazer uma visita ao hotel da seleção brasileira. Mas nem o insistente apelo de Paul fez com que John mudasse seu pensamento. Até que outro imprevisto aconteceu...


Tostão, fã dos Beatles



Se hoje em dia, com a internet e as redes sociais, os boatos se espalham em segundos, as coisas não eram diferentes em 1966, quando se tratava de Beatles e seleção brasileira. Sabendo do suposto interesse do empresário dos Beatles em Pelé e companhia, o atacante Tostão, na época com 19 anos, se entusiasmou. Venceu a timidez e falou com o futuro atleta do século sobre o assunto. Pelé não demonstrou entusiasmo, mas também não achou ruim. Mais preocupado com uma contusão no tornozelo direito, que o deixaria fora do jogo com a Hungria, o rei disse que toparia um encontro, como lembra o lateral pernambucano Rildo, também fã do quarteto britânico.

- O Tostão veio com aquele papo mineirinho, querendo marcar um encontro. O Negão não tava nem aí, com o tornozelo inchado, parecendo a coxa. Mas ele não era bobo, sabia do que representaria aquilo, então mandou ver né? Eu estava tão ansioso quanto o Tostão, também era fã dos caras né?


Tudo errado


Com a reciprocidade dos brasileiros, o empresário Brian Epstein conseguiu marcar a data do encontro. O dia escolhido foi 20 de julho de 1966, após a última partida do Brasil na primeira fase da Copa do Mundo. Os Beatles moravam em Londres, mas convencidos por Brian, foram para a terra natal, sem maiores contestações. John Lennon, que parecia ser o maior problema para o acontecimento, apareceu para o embarque bem humorado e brincalhão, segundo relato de Hugh Smith:

- Ele chegou brincando, fazendo piadas, muito amável. Parecia que ia dar tudo certo.

Parecia. Ao desembarcar em Liverpool, ainda que anônimos, os Beatles foram recebidos com a notícia de que fãs estavam queimando seus discos em todo o mundo, por causa das declarações de Lennon. Isto, somado ao fato de que a seleção brasileira havia sido derrotada por Portugal na tarde anterior, tornou o encontro frio e cansativo para ambas as partes.

O jovem Tostão era o mais empolgado, mesmo com a derrota. Tirou fotos, bateu bola com Paul e George e pediu que o grupo fizesse uma visita a sua casa, no Brasil.

Paul prometeu que iria, ainda em 1966, já que queria muito conhecer o Brasil. George concordou. John e Ringo discutiam outros assuntos e não participaram do restante do encontro, acompanhados por um triste e desolado Pelé. Apenas o empresário demonstrava alguma possibilidade de que o devaneio se tornasse realidade um dia.

O ano de 1966 se encerrou sem que os Beatles aparecessem em Belo Horizonte. A morte de Brian Epstein, em agosto de 1967, fez com que a ideia maluca de Tostão parecesse ainda mais distante. Até que o destino agiu mais uma vez e o sonho virou realidade.


Zé Carlos, do IAPI


José Carlos Dias fala do passado com lucidez incrível. Com 74 anos, ainda vende picolés caseiros pelo centro de Belo Horizonte, com o auxílio de cinco garotos. Com a renda do trabalho diário, que gira entre R$ 1.500 e R$ 2.000 por mês, segundo suas próprias contas, criou três filhos, todos com curso superior, fato que faz questão de relatar. De conversa fácil e tranquila, Zé Carlos jura que foi ele a dar o apelido de Tostão ao jovem Eduardo, nas peladas antigas no conjunto IAPI.

Sete anos mais velho que o famoso jogador, Zé Carlos disse ter visto no garoto uma joia rara, e logo percebeu que Tostão teria sucesso no futebol. As histórias da amizade entre os dois, que dura mais de 50 anos, são comprovadas por inúmeras fotografias e presentes dados por Eduardo, que Zé Carlos guarda com muito carinho.

Mas, a história que mais entusiasma o velho vendedor de picolés não está ligada só ao futebol. E faz muita gente duvidar e dar risadas de Zé Carlos a cada vez que ele arrisca contar.

- Antes eu falava disso com mais entusiasmo. Hoje, nem falo mais. Aqui no bairro me chamam de louco, mentiroso, loroteiro. Eu não sou nada disso. Eles vieram aqui mesmo.

Eles, é claro, são os Beatles, e a história de José Carlos Dias é bem detalhada e muito plausível. Confirmada por alguns e motivo de piada para outros, no conjunto IAPI, o certo é que a mágica e misteriosa viagem do quarteto fabuloso ao Brasil não tem nenhum registro histórico.


Outono de 1967


Por mais que não tivesse mais tanta influência sobre os Beatles, como no começo da carreira da banda, a morte de Brian Epstein abalou o quarteto de forma nunca vista, o que é confirmado pelo escritor Bob Spitz, autor da mais completa biografia sobre a banda.

- Eles eram muito instáveis, cada um seguia uma linha de pensamento diferente. O atrito entre Paul e John era visível. Ringo parecia alheio a tudo. E George buscava alternativas na espiritualidade. Mesmo assim, parecia um barril de pólvora, prestes a explodir.

O que José Carlos Dias conta é que George Harrison sugeriu uma viagem a Índia, que realmente aconteceu e foi amplamente documentada, no início de 1968, mas que antes, com apoio de Paul McCartney, a banda esteve no Brasil, de forma anônima.

O biógrafo Bob Spitz acha difícil. Mas admite haver um hiato na história dos Beatles entre outubro e novembro de 1967. Segundo Spitz, os Beatles estavam de férias, cada um em um canto diferente da Europa.

O fato é que, segundo Zé Carlos, os Beatles vieram ao Brasil, e após, uma estadia de três dias no Rio de Janeiro, desembarcaram em Belo Horizonte.


Pelada no IAPI


É impensável imaginar o maior ícone da história da música jogando bola num conjunto habitacional de Belo Horizonte hoje em dia. Em 1968, pior ainda! Os simples hábitos e trajes dos Beatles escandalizariam qualquer um num Brasil dominado pelo medo imposto pelo regime militar, ainda mais no ano da maior repressão política e social da ditadura.

De acordo com o relato de Zé Carlos, chovia muito no dia em que os Beatles estiveram em BH. Eles chegaram ao IAPI no começo da tarde. Foram até o apartamento onde o jovem Eduardo havia vivido com os pais durante toda a vida, a convite do próprio Tostão. Segundo o vendedor de picolés, por ideia de George Harrison, foram para o campo de terra do conjunto jogar bola, para ter contato com a natureza. Com túnicas coloridas, se divertiram como crianças, sob a chuva forte da primavera brasileira.

Voltaram para a casa dos pais de Tostão, tomaram café, comeram broa caseira, entraram na kombi que os trouxera, e foram embora, rodeados por poucas crianças, tão lamacentas quanto os jovens Eduardo, Zé Carlos, Paul, John, Ringo e George.

Zé Carlos Dias segue sua vida tranquila, no mesmo apartamento que vivia em 1967. Não se incomoda mais com os que o chamam de mentiroso. A história foi caindo aos poucos no esquecimento e só é lembrada pelos mais velhos do IAPI.

Para Bob Spitz, tudo não passa de mais uma lenda, como o boato sobre a morte de Paul McCartney, surgida um ano depois. Mas, o mais famoso biógrafo dos Beatles deixa um mistério no ar.

- Pra mim, é tudo lenda. Uma lenda formidável por sinal e muito bem contada. Eu não acredito, de forma alguma, que seja verdade. Mas não tenho como provar que seja mentira.

Tostão, hoje colunista de vários jornais brasileiros, não fala sobre o assunto. O ex-jogador é muito reservado e evita entrevistas, de qualquer espécie. Surpreendido por nossa reportagem, na frente do prédio onde vive, no Bairro de Lourdes, região central de BH, mostrou-se irritado quando nos viu. Ao saber do que se tratava, porém, sorriu e deu de ombros.

- Se é o Zé Carlos que está falando, pode escrever aí, é tudo verdade.

4 comentários:

  1. MUITO BEM ESCRITO.
    PARABÉNS.
    VIAJEI AQUI NA REMOTA POSSIBILIDADE.
    HE HE HE.

    ABS

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  2. Então não foi delírio do Tavito conjecturar se algum dia eles viriam aqui cantar as canções que a gente quisesse ouvir...

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  3. Nossa, muito bom! O texto ficou tão bom que decidi acreditar! haha

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  4. Bem, o show do Ringo por aqui já se foi, mas Paul McCartney vem aí, vamos perguntar para ele. Agora, quanto a Mick Jagger e Keith Richards tomarem umas no Mercado Central em 1977, um amigo meu me mostrou um recorte de jornal em 1988 mais ou menos. Se for verdade, Mick Jagger devia ter usado a camisa do galo no ensejo. Azarão do futebol, como ficou conhecido na Copa da África, só pode ter sido ele o responsável pelo time ter perdido o Campeonato Brasileiro da ocasião invicto e com 10 pontos a mais do que o São Paulo. O Paul Stanley do Kiss também usou a camisa, mas foi em 1983, então não podemos culpar ele.

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