Por Marco Soalheiro*
Era o penúltimo dia da primeira viagem de ambos à Europa. Um sonho adiado por muito tempo por prioridades mais urgentes da vida. Naquela noite, na romântica e bela Paris, ele poderia levá-la para jantar em um bistrot requintado, flanar sem rumo pelas ruas aconchegantes, passear de barco pelo rio Sena, ouvir um jazz. Mas resolveu arriscar, sabedor do privilégio de ter ao seu lado uma mulher plenamente convicta de que futebol é muito mais do que 11 marmanjos a disputar uma bola. França e Bósnia Herzegovina, valendo vaga na fase final da Eurocopa, foi o programa com convite prontamente aceito. No pacote, metrô, trem e lanches menos nobres de porta de estádio.
A presença maciça de bósnios, dois dias antes do jogo nas ruas de Paris, impulsionou a decisão do casal. Além disso, a oportunidade de conhecer o Stade de France, de triste memória para o futebol brasileiro, derrotado pelos anfitriões na final de Copa de 1998.
Ao primeiro passo no anel superior, foram arrebatados por uma imagem surpreendente. Quase um terço do imenso estádio estava ocupado por animada massa de bósnios vestidos de azul e amarelo, prontos para empurrar sua seleção rumo à vitória necessária à classificação. Homens, mulheres, jovens, crianças e idosos. Gente que cantou seu hino a plenos pulmões e que desafiou sua inferioridade numérica para bradar mais alto em 90 minutos. Um show de arrepiar quem passou parte dos últimos 20 anos nos palcos do velho ludopédio. Aquele pequeno país do leste europeu, desmembrado da antiga Iugoslávia, que há 15 anos era devastado por uma sangrenta guerra separatista, enchia de orgulho sua gente pela braveza e o talento de seus atletas. A beleza do esporte em estado puro e a conquista de mais dois torcedores que não tiveram nenhum pudor em sua escolha. Pediram bandeira emprestada, vibraram e sofreram juntos.
Noventa minutos, um gol para cada lado e o sonho bósnio, sob aplausos, foi adiado para a repescagem contra Portugal. Debaixo de chuva fina, o casal de brazucas que fez do futebol seu programa noturno na capital francesa regressava ao hotel. Lembraram-se que, assim como a seleção herzegovina, viveram há poucos meses a sensação de ver escorrer por entre os dedos uma conquista tão desejada, que em seus corações já era real. Mas a experiência que presenciaram reforçou-lhes a certeza: é a fé, a esperança e a luta que fazem a vida valer pena. Sentiram-se revigorados para seguir em busca do que tanto desejam. Era meia noite em Paris. Momento mais propício impossível para juras de amor eterno e beijos apaixonados.
* Marco Soalheiro é jornalista. Nascido em Divinolândia (MG), é marido, torcedor e cidadão apaixonado. Trabalha na TV Assembleia, em Belo Horizonte, além de ser parceiro indispensável pra boas resenhas ludopédicas.
Olha o primao ai... Parabens, ficou muito massa.
ResponderExcluirNossa, Marco! Que texto lindo - romântico ser sem piegas... Que venham muitas outras crônicas! Parabéns!
ResponderExcluir