Carlinhos tinha 11 anos e esta não é exatamente a idade em que o ser humano é um prodígio em paciência. Ainda mais quando falamos de um garoto fanático por futebol, bem na semana em que seu time vai decidir o Campeonato Brasileiro. Por algum motivo desconhecido e muito estranho, os pais de Carlinhos permitiram que ele fosse ao jogo, com os primos mais velhos, no Pacaembu, a poucos quarteirões de casa.
A ansiedade de ir pela primeira vez a um estádio de futebol, numa decisão de campeonato, com o clube de coração em campo, somou-se ao medo de alguma coisa dar errado, e a cabeça do menino virou um turbilhão. Dormir e comer se tornaram atividades raras para Carlinhos, que solenemente ignorava os protestos da mãe, contando cada segundo para o jogo no relógio.
Antes, porém, era necessário comprar os ingressos. Carlinhos pegou o dinheiro com o pai, com a promessa de repassar aos primos, já que a simples ideia de ter um garoto de 11 anos numa fila desta espécie era absurda. O menino, sem nenhuma paciência para esperar o contato dos primos, matou aula e foi para a fila do Pacaembu. Pelo menos 500 torcedores, brutamontes de todos os tipos, já estavam lá.
Algum gaiato soprou que as filas nos portões de trás do estádio estavam bem menores. O suficiente para que impacientes, com o intrépido Carlinhos entre eles, fossem morro acima, numa caminhada cansativa para constatar o óbvio. As bilheterias daquele setor estavam fechadas.
Desespero é a palavra exata para definir o que Carlinhos sentiu ao ver que a fila original estava com pelo menos o triplo do tamanho, e que sua antiga posição era excelente, a apenas alguns poucos metros do ponto de venda dos bilhetes.
Em pouco menos de 90 minutos, todos os ingressos já haviam sido vendidos, e Carlinhos, com todas as unhas das pequenas mãos totalmente roídas, mal tinha dado dois passos. Voltou pra casa tentando disfarçar o fracasso, já que havia mentido para os pais. E também para os primos. Quando se lembrou deles, teve certeza que seus problemas tinham solução, já que os parceiros poderiam ter algum ingresso sobrando.
Mas como ia saber sem contar a verdade? Não era possível. Carlinhos, então, inventou um colega de sala fictício e disse aos primos que o ingresso era pra ele. Nada feito. A entrada extra que tinham já estava reservada para um amigo que estava no nordeste e não iam cedê-la a um fedelho que não conheciam. Carlinhos ficou sabendo que os primos não enfrentaram nenhuma fila, já que tinham amigos na secretaria do clube, que entregaram os ingressos a eles longe do estádio, sem nenhum tipo de confusão.
A derrota era certa e pouca coisa poderia ser feita para evitá-la. Mas Carlinhos preferiu manter seu fracasso oculto para todos. Aos primos disse que tinha conseguido o ingresso com o pai de um amigo e aos pais nada falou, já que, para eles, tudo havia corrido dentro da mais perfeita normalidade.
No dia do jogo, Carlinhos se uniformizou, esperou os primos e saiu com eles em direção ao Pacaembu. Inventou mais uma mentira, disse que ia assistir à partida com os colegas de sala e, aproveitando-se do descaso dos primos, sumiu no meio da multidão.
Carlinhos tentou comprar ingressos de cambistas, mas não foi levado a sério por nenhum deles, e, então, achou uma pizzaria com TV, onde viu seu time ser campeão brasileiro, ouvindo o barulho que vinha do estádio. Depois do jogo, voltou para o meio da bagunça do Pacaembu, encontrou os primos no lugar marcado e chegou em casa contando histórias que só tinha visto pela telinha, sob olhares orgulhosos dos pais, que acreditavam ver o garotinho se tornando um homem naquele dia. O que não deixava de ser verdade, só que por outros motivos.
A moral da história é que todo ansioso faz burradas incríveis. E que, além de tudo, é orgulhoso e teimoso. Então, é bom aprender cedo, como Carlinhos, para evitar trapalhadas piores ao longo da vida.
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