quinta-feira, 14 de junho de 2012

Genivaldo e a lâmpada mágica

Parte I – O professor e o XV de Novembro

O glorioso XV de Novembro, da cidade de Quixeramobim, no sertão do Ceará, também é um desses times que tem um torcedor símbolo. O fanático pelo XV, que nunca passou da segunda divisão do campeonato estadual, é um professor de português do ensino médio que atende pelo nome de Genivaldo Lambari.

Cidadão pacato e de boa índole, Genivaldo é um sujeito caseiro, de hábitos comuns e vida modesta. Casado com Dona Margarida e pai de Cícero e Severino, de oito e quatro anos, o professor tem como único luxo, hobby e excentricidade, a paixão exagerada pelo XV, a Graúna do Sertão.

Como o XV nunca chegou à primeira divisão do Campeonato Cearense, o amor intenso de Genivaldo pelo clube era conhecido em toda a cidade. Em vários jogos pela segundona do estadual, o professor foi o único torcedor nas arquibancadas do velho estádio municipal. Sem patrocínios e nenhum tipo de apoio do poder público, o que todos esperavam é que o velho XV sumisse do mapa em pouco tempo. 


Parte II – A lâmpada


Até que Genivaldo, organizando jornais antigos com matérias sobre o time, na biblioteca de Quixeramobim, numa tarde de calor arretado, encontrou um objeto dourado parecido com uma velha lamparina. Imediatamente, o professor Lambari se lembrou dos livros que lia na infância, com histórias das mil e uma noites, odaliscas e gênios da lâmpada. Rindo de si mesmo, começou a acariciar o pitoresco objeto, como faziam os Aladins que ainda estavam vivos em sua memória de criança.

Genivaldo deixou a lamparina sobre uma prateleira de madeira e, enquanto saía para buscar um suco de umbu que refrescasse o extenuante calor, viu uma fumaça branca e espessa com o canto dos olhos. Pensando se tratar de um princípio de incêndio, voltou-se ligeiro para ver o que era, e qual foi a surpresa de Genivaldo ao ver um gênio azul de túnica branca e colete vermelho, flutuando a dois metros de si?

Homem tranquilo e ciente de seus atos, Genivaldo esfregou os olhos e teve certeza imediata de que se tratava de uma alucinação causada pela altíssima temperatura do sertão cearense naquele verão. Preferiu ignorar a espetacular imagem de um gênio flutuante e virou as costas, disposto a tomar seu suquinho de umbu. Foi quando ouviu uma voz calma e grave.

- Você é meu amo. Por ter me libertado de um sono milenar, eu lhe concedo três desejos.

‘Arre égua!’, pensou Genivaldo. Pálido e branco, como nunca na vida, voltou-se subitamente e encarou o gênio, olho no olho. A tranquila expressão do exótico árabe serviu para acalmar e diminuir os batimentos acelerados do coração do professor.

Se por um lado, Genivaldo era reservado e acanhado, por outro, também tinha seus sonhos e devaneios. Mesmo que aquilo fosse loucura ou alucinação, resolveu dar asas à imaginação, e pensou bem nas palavras (para não gastar um desejo de forma afoita, é claro) ao propor para o gênio:

- Você pode voltar pra dentro da lâmpada até eu chegar em casa e conversar com a patroa sobre os três desejos?

Preso há mais de mil anos na minúscula lamparina, o gênio custou a aceitar a proposta do professor. Só se convenceu e voltou para dentro quando Genivaldo jurou sobre uma bandeira do XV que o libertaria novamente em menos de uma hora. 


Parte III – O gênio


O gênio azul era um sujeito divertido. Com muitas histórias pra contar, logo de cara, criou laços de amizade com Genivaldo. O professor, que não era nada bobo, serviu um licor de jenipapo de primeiríssima qualidade para o gênio, que logo se soltou e se sentiu em casa.

Vindo de uma geração ultra-milenar de gênios da lâmpada, o árabe flutuante desfilou para o novo amigo um imenso rol de fascinantes histórias sobre seu passado, até o dia em que chegou ao sertão cearense e ficou esquecido dentro de uma caixa de velhos livros.

Dona Margarida só acreditou no que viu depois do terceiro desmaio. Com Cícero e Severino foi bem mais fácil. Os garotos não tiveram problemas para fazer contato com o gênio, e logo ficaram íntimos do convidado estrangeiro.

A relação entre o gênio da lâmpada e os Lambari estava fluindo da melhor maneira possível, até que o árabe lembrou Genivaldo dos três desejos, já que queria viajar mundo afora para curtir sua liberdade. 


Parte IV – Os desejos


Entrar em um acordo sobre o que pedir ao gênio não foi tarefa fácil para a família. Dona Margarida queria uma mansão, com direito a piscina, mordomo e três empregadas. Cícero só pensava num play station, enquanto Severino já estava decidido a pedir um hamster, igual ao que tinha visto na televisão semana passada.

Genivaldo, porém, foi egoísta e, enganando a mulher e os filhos, entregou para o gênio uma lista só com desejos seus.

1 – Que o XV de Quixeramobim seja o time mais rico do Ceará

2 – Que o XV de Quixeramobim jogue a Série A do Brasileirão este ano

3 – Que Messi seja jogador do XV de Quixeramobim

Dona Margarida, quando viu o que o marido tinha pedido, se revoltou, arrumou as malas e foi para a casa da mãe, levando Cícero, emburrado por não ter ganhado o videogame, e Severino, que não parava de perguntar:

- Cadê meu ratinho? Cadê meu ratinho? 


Parte V – O poderoso XV do Ceará


A repentina aparição do XV de Quixeramobim de Messi na elite do futebol brasileiro causou polêmica e foi alvo até de CPI do Senado. Mas, com uma manobra política, o recém-eleito presidente Genivaldo Lambari, conseguiu fazer com que tudo terminasse em pizza.

O XV estreou na Série A contra o Internacional, no Beira-Rio, e voltou pra casa com um humilhante 8 a 0 no lombo. Messi esteve em campo, mas como era o único reforço para um time semiprofissional, nada pôde fazer para evitar o vexame. Na rodada seguinte, o pior aconteceu. O craque argentino, ex-Barcelona, pisou num buraco do Estádio Municipal de Quixeramobim, numa partida contra o Bahia, e rompeu todos os ligamentos do organismo, ficando fora do time o resto da temporada.

Com 38 derrotas em 38 jogos, o XV foi rebaixado para a segundona e bateu todos os recordes negativos do futebol brasileiro. O dinheiro do clube foi todo gasto na pizza dos senadores e nos salários de Messi, que ganhou passe livre na justiça e voltou para a Espanha, no final do ano.

Falido, sem Messi e fora da primeira divisão, o XV de Novembro de Quixeramobim não teve alternativa diferente de fechar definitivamente o departamento de futebol profissional. 


Parte VI – Volta à rotina


A vida não poderia estar pior para Genivaldo Lambari naquele momento. Todos os projetos pessoais haviam fracassado e o seu amado XV sequer existia. O pior de tudo para o professor, entretanto, era a ausência da família, já que Dona Margarida e os meninos ainda viviam com sua sogra.

Genivaldo conseguiu de volta o antigo emprego na escola, juntou o que restava de suas economias, comprou uma piscininha de plástico, um play station de segunda mão, um hamster branco, vestiu uma roupa de mordomo e foi atrás de Dona Margarida e dos filhos.

Sensibilizada com o drama e o fracasso do marido, Dona Margarida voltou para casa e a vida dos Lambari seguiu como era antes de toda a confusão, tranquila e em plena harmonia. A única coisa que tirava a esposa do sério era o velho brilho que via nos olhos do marido quando um cartão postal de algum lugar distante chegava, enviado pelo gênio azul.

Genivaldo disfarçava a emoção e convencia Dona Margarida que o mais importante em sua vida agora era o bem-estar da família. Mas, para si mesmo, não dava pra mentir. Na verdade, da cabeça do professor não saía a imagem do Maracanã lotado em um imaginário jogo do outrora glorioso XV de Novembro de Quixeramobim.

Um comentário:

  1. Marcão é fera! Coloque esses textos em um livro... antes que "alguém" roube essa ideia.

    Show ! Ótimo texto...

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