O barraco do Tonim nunca foi lá essas coisas. Apenas quatro
cômodos, sem reboco, chão batido, nada de piso, banheiro do lado de fora e
muitas goteiras. Tá certo que era firme, todo feito de tijolos e longe da
encosta do morro, uma garantia de segurança nos tempos de chuva, o que por si
só já fazia do barraco do Tonim um dos melhores daquela região do aglomerado.
A Guiomar sempre se queixava com o marido. Pedia pra ele dar
uma guaribada aqui, uma ajeitada ali e uma reparada acolá. Mas o Tonim enrolava,
dizia que não tinha tempo nem dinheiro pra reformar o barraco e a vida ia
seguindo do jeito que estava. A Guiomar, o Tonim e os cinco filhos, apertados
no barraco.
Até que um dia, alguns homens de terno, gravata e sapatos
caros subiram o morro. Anunciaram a todos, em vários idiomas, que iam organizar
uma grande festa ali. Dessas de arromba, inesquecíveis, para fazer história.
Escolheram o barraco do Tonim como principal ponto de apoio do evento, após uma
disputa com outros muquifos da vizinhança. Tonim ficou orgulhoso com a vitória
sobre os casebres rivais e comemorou com a criançada. A Guiomar, sem entender
muito bem tudo aquilo, olhava para o marido com cara desconfiada, enquanto ele
ficava rindo sozinho, imaginando a festa.
Os homens de terno, gravata e sapatos caros, que falavam
vários idiomas, logo viram que o barraco do Tonim era precário e precisava de
muitas melhorias para receber a grande festa. Fizeram uma lista de exigências e
deram prazos para ele, que se comprometeu a deixar o barraco no jeito para uma
ocasião de tamanha importância como aquela. A Guiomar, coitada, continuava
alheia a tudo. Era tão dona do barraco quanto Tonim, mas não tinha sido
consultada nem ouvida em nenhum momento.
Entusiasmado com as tarefas que tinha recebido dos homens de
terno, gravata e sapatos caros, Tonim começou a trabalhar. Fez um orçamento
para saber quanto ia gastar para cumprir todos os itens exigidos por aqueles
que falavam vários idiomas. Guiomar se irritou, ao perceber que o marido
planejava usar as poucas e suadas economias da família para resolver problemas
supérfluos e menos importantes do que a saúde, o bem estar, o conforto e até
mesmo a alimentação dos filhos. Convicto do que fazia, Tonim se justificava
para a esposa, dizendo que a grande festa ia deixar um legado histórico para a
família e para o barraco.
Os problemas de Tonim, entretanto, não demoraram a aparecer.
Para cada real que inicialmente planejou gastar, teve que desembolsar mais
dois. As obras no barraco estavam atrasadas e os amigos da comunidade que foram
convidados para ajudar Tonim no trabalho pareciam querer se aproveitar dele e
tirar vantagem no que podiam. Um exemplo disso foi o puxadinho feito na parte
leste da casa, que, além de estourar todos os cronogramas dos homens de terno,
gravata e sapatos caros, custou dez vezes mais que o previsto. Guiomar já não
conseguia mais conter a indignação, ainda mais porque via os filhos acreditando
cegamente nas loucuras e promessas que o pai fazia. Segundo Tonim, um dia eles
iriam usufruir todos os benefícios que estavam sendo feitos no barraco.
O dia da festa chegou. O barraco estava lindo, pintado,
iluminado e com novos móveis. Azulejos, piso importado, copos de cristal e uma
medalha de ouro num altar. Com a urgência dos prazos, alguns detalhes ficaram
pendentes, mas Tonim não se importou em escondê-los como poeira embaixo do
tapete persa que estava na sala. O anfitrião, maravilhado com a multidão de
gente que conversava em vários idiomas, não tinha tempo para reparar nos
filhos, que, por causa dos gastos extravagantes do pai, não iam mais à escola,
adoeciam com frequência e não se alimentavam direito. Cansado das constantes críticas
de Guiomar, Tonim seguiu o conselho dos homens de terno, gravata e sapatos
caros e mandou a esposa e a criançada para a casa da sogra, num barraco
distante do seu.
Algum tempo depois, a festa acabou. Não demorou muito para
levarem embora do barraco do Tonim os móveis, os lustres, o piso importado, o
altar e os copos de cristal. Levaram também o tapete persa, mas, por algum
motivo desconhecido, deixaram a poeira para trás. Só havia restado a medalha de
ouro, mas Tonim viu, impotente, um homem de terno, gravata e sapatos caros colocá-la
dentro no bolso, antes de sair do barraco.
Exausto e se sentindo traído, Tonim procurou alguém que
falasse vários idiomas para receber alguma explicação. Mas todos eles também já
tinham ido embora. Desesperado, se lembrou de Guiomar e dos filhos, mas quando
se deu conta de que eles nunca mais voltariam porque nenhum legado havia
restado daquela festa, sentou no chão e chorou. Não por se sentir só e estúpido,
mas por perceber, naquela hora, que tinha perdido o que tinha de mais puro
dentro de si: sua dignidade.
Parabéns pelo texto. Conseguiu expressar de uma forma perfeita o que está acontecendo.
ResponderExcluirIsto é uma obra de ficção, Por supuesto... Mas o Tonin era dono do barraco ou se vazia passar por "dono"? Uma coisa que me aguçou a curiosidade. Era só um barracoOu o puxadim já existia ou foi tomado na mão-grande por algum traficante do morro?
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