quarta-feira, 15 de maio de 2013

Levando desaforo pra casa


Desde criança ouço as pessoas falarem que Fulano, Beltrano e Cicrano não levam desaforo pra casa. Que se um dos três ouvir ou vir qualquer coisa que o desagrade ou o faça se sentir ofendido, vai lá e resolve a questão na hora, da forma que for possível. Na minha imensa ingenuidade juvenil, eu achava aquilo bonito. Pra mim, estava tudo certo. Um homem de verdade tinha que defender sua honra e seu nome. E, por mais que ouvisse dos meus pais que aquilo tudo era uma grande besteira, eu cismei que seria como Fulano, Beltrano e Cicrano e que jamais levaria um desaforo pra casa.

Ainda bem que não usei essa máxima por muito tempo na minha vida. Não foi difícil perceber que era mais fácil conversar do que brigar e pedir desculpas do que perder um amigo. É claro que em algumas ocasiões tive vontade de resolver da forma mais violenta, mas nada que uma boa oxigenada no cérebro, depois de ter contado até dez, não tenha consertado.

Sendo assim, Fulano, Beltrano e Cicrano e os desaforos que nunca levavam pra casa se tornaram figuras obsoletas e ridículas para mim. Como tinha ficado mais maduro e racional, achei que para todas as pessoas. Mas foi aí que me enganei completamente.

Está cada vez mais comum ver algum discípulo dos três amigos bater no peito e gritar o bordão:

- Eu não levo desaforo pra casa!

E aí tome briga no trânsito, no campo de futebol, no bar e até mesmo na festa de família. Parece ser questão de honra estar com a razão em uma conversa e se alguém discorda do Fulano é briga certa. Esbarrar no Beltrano numa boate é sinônimo de pancadaria e quebradeira. Uma brincadeira sobre a derrota do time do Cicrano e o tempo fecha. E se algum infeliz entrar na frente do carro de um dos três, numa rua engarrafada, o velho tresoitão vai sair do porta-luvas.

Quanto mais o tempo passa, mais eu vejo gente que se orgulha da fama de valente e brigão, quando deveria ser exatamente o contrário, já na metade da segunda década do século XXI. Homens e mulheres, jovens e velhos, não importa.

Uso uma citação do indiano Mahatma Gandhi para finalizar esta história. “Olho por olho e o mundo acabará cego”. Tomara que não.


P.S. – Beltrano morreu numa briga de bar, após uma discussão boba com um vizinho. Cicrano está preso, depois de ter agredido um idoso na porta de um estádio. E Fulano vive triste e arrependido, sem nenhum amigo ou parente com quem falar. Todos têm medo de Fulano porque ele nunca leva desaforo pra casa.


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