Desde criança ouço as pessoas falarem que Fulano, Beltrano e Cicrano não levam desaforo pra casa. Que se um dos três ouvir ou vir qualquer coisa que o desagrade ou o faça se sentir ofendido, vai lá e resolve a questão na hora, da forma que for possível. Na minha imensa ingenuidade juvenil, eu achava aquilo bonito. Pra mim, estava tudo certo. Um homem de verdade tinha que defender sua honra e seu nome. E, por mais que ouvisse dos meus pais que aquilo tudo era uma grande besteira, eu cismei que seria como Fulano, Beltrano e Cicrano e que jamais levaria um desaforo pra casa.
Ainda bem que não usei essa máxima por muito tempo na minha
vida. Não foi difícil perceber que era mais fácil conversar do que brigar e pedir
desculpas do que perder um amigo. É claro que em algumas ocasiões tive vontade
de resolver da forma mais violenta, mas nada que uma boa oxigenada no cérebro,
depois de ter contado até dez, não tenha consertado.
Sendo assim, Fulano, Beltrano e Cicrano e os desaforos que nunca
levavam pra casa se tornaram figuras obsoletas e ridículas para mim. Como tinha
ficado mais maduro e racional, achei que para todas as pessoas. Mas foi aí que
me enganei completamente.
Está cada vez mais comum ver algum discípulo dos três amigos
bater no peito e gritar o bordão:
- Eu não levo desaforo pra casa!
E aí tome briga no trânsito, no campo de futebol, no bar e
até mesmo na festa de família. Parece ser questão de honra estar com a razão em
uma conversa e se alguém discorda do Fulano é briga certa. Esbarrar no Beltrano
numa boate é sinônimo de pancadaria e quebradeira. Uma brincadeira sobre a
derrota do time do Cicrano e o tempo fecha. E se algum infeliz entrar na frente
do carro de um dos três, numa rua engarrafada, o velho tresoitão vai sair do
porta-luvas.
Quanto mais o tempo passa, mais eu vejo gente que se orgulha
da fama de valente e brigão, quando deveria ser exatamente o contrário, já na metade
da segunda década do século XXI. Homens e mulheres, jovens e velhos, não
importa.
Uso uma citação do indiano Mahatma Gandhi para finalizar esta
história. “Olho por olho e o mundo acabará cego”. Tomara que não.
P.S. – Beltrano morreu numa briga de bar, após uma discussão
boba com um vizinho. Cicrano está preso, depois de ter agredido um idoso na
porta de um estádio. E Fulano vive triste e arrependido, sem nenhum amigo ou
parente com quem falar. Todos têm medo de Fulano porque ele nunca leva desaforo
pra casa.
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