sábado, 18 de maio de 2013

O barraco do Tonim


O barraco do Tonim nunca foi lá essas coisas. Apenas quatro cômodos, sem reboco, chão batido, nada de piso, banheiro do lado de fora e muitas goteiras. Tá certo que era firme, todo feito de tijolos e longe da encosta do morro, uma garantia de segurança nos tempos de chuva, o que por si só já fazia do barraco do Tonim um dos melhores daquela região do aglomerado.

A Guiomar sempre se queixava com o marido. Pedia pra ele dar uma guaribada aqui, uma ajeitada ali e uma reparada acolá. Mas o Tonim enrolava, dizia que não tinha tempo nem dinheiro pra reformar o barraco e a vida ia seguindo do jeito que estava. A Guiomar, o Tonim e os cinco filhos, apertados no barraco.

Até que um dia, alguns homens de terno, gravata e sapatos caros subiram o morro. Anunciaram a todos, em vários idiomas, que iam organizar uma grande festa ali. Dessas de arromba, inesquecíveis, para fazer história. Escolheram o barraco do Tonim como principal ponto de apoio do evento, após uma disputa com outros muquifos da vizinhança. Tonim ficou orgulhoso com a vitória sobre os casebres rivais e comemorou com a criançada. A Guiomar, sem entender muito bem tudo aquilo, olhava para o marido com cara desconfiada, enquanto ele ficava rindo sozinho, imaginando a festa.

Os homens de terno, gravata e sapatos caros, que falavam vários idiomas, logo viram que o barraco do Tonim era precário e precisava de muitas melhorias para receber a grande festa. Fizeram uma lista de exigências e deram prazos para ele, que se comprometeu a deixar o barraco no jeito para uma ocasião de tamanha importância como aquela. A Guiomar, coitada, continuava alheia a tudo. Era tão dona do barraco quanto Tonim, mas não tinha sido consultada nem ouvida em nenhum momento.

Entusiasmado com as tarefas que tinha recebido dos homens de terno, gravata e sapatos caros, Tonim começou a trabalhar. Fez um orçamento para saber quanto ia gastar para cumprir todos os itens exigidos por aqueles que falavam vários idiomas. Guiomar se irritou, ao perceber que o marido planejava usar as poucas e suadas economias da família para resolver problemas supérfluos e menos importantes do que a saúde, o bem estar, o conforto e até mesmo a alimentação dos filhos. Convicto do que fazia, Tonim se justificava para a esposa, dizendo que a grande festa ia deixar um legado histórico para a família e para o barraco.

Os problemas de Tonim, entretanto, não demoraram a aparecer. Para cada real que inicialmente planejou gastar, teve que desembolsar mais dois. As obras no barraco estavam atrasadas e os amigos da comunidade que foram convidados para ajudar Tonim no trabalho pareciam querer se aproveitar dele e tirar vantagem no que podiam. Um exemplo disso foi o puxadinho feito na parte leste da casa, que, além de estourar todos os cronogramas dos homens de terno, gravata e sapatos caros, custou dez vezes mais que o previsto. Guiomar já não conseguia mais conter a indignação, ainda mais porque via os filhos acreditando cegamente nas loucuras e promessas que o pai fazia. Segundo Tonim, um dia eles iriam usufruir todos os benefícios que estavam sendo feitos no barraco.

O dia da festa chegou. O barraco estava lindo, pintado, iluminado e com novos móveis. Azulejos, piso importado, copos de cristal e uma medalha de ouro num altar. Com a urgência dos prazos, alguns detalhes ficaram pendentes, mas Tonim não se importou em escondê-los como poeira embaixo do tapete persa que estava na sala. O anfitrião, maravilhado com a multidão de gente que conversava em vários idiomas, não tinha tempo para reparar nos filhos, que, por causa dos gastos extravagantes do pai, não iam mais à escola, adoeciam com frequência e não se alimentavam direito. Cansado das constantes críticas de Guiomar, Tonim seguiu o conselho dos homens de terno, gravata e sapatos caros e mandou a esposa e a criançada para a casa da sogra, num barraco distante do seu.

Algum tempo depois, a festa acabou. Não demorou muito para levarem embora do barraco do Tonim os móveis, os lustres, o piso importado, o altar e os copos de cristal. Levaram também o tapete persa, mas, por algum motivo desconhecido, deixaram a poeira para trás. Só havia restado a medalha de ouro, mas Tonim viu, impotente, um homem de terno, gravata e sapatos caros colocá-la dentro no bolso, antes de sair do barraco.

Exausto e se sentindo traído, Tonim procurou alguém que falasse vários idiomas para receber alguma explicação. Mas todos eles também já tinham ido embora. Desesperado, se lembrou de Guiomar e dos filhos, mas quando se deu conta de que eles nunca mais voltariam porque nenhum legado havia restado daquela festa, sentou no chão e chorou. Não por se sentir só e estúpido, mas por perceber, naquela hora, que tinha perdido o que tinha de mais puro dentro de si: sua dignidade.


2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto. Conseguiu expressar de uma forma perfeita o que está acontecendo.

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  2. Isto é uma obra de ficção, Por supuesto... Mas o Tonin era dono do barraco ou se vazia passar por "dono"? Uma coisa que me aguçou a curiosidade. Era só um barracoOu o puxadim já existia ou foi tomado na mão-grande por algum traficante do morro?

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