segunda-feira, 4 de março de 2013

Fábulas Modernas I – A cigarra e a formiga


Pedro e Paulo eram gêmeos idênticos que tinham o sonho univitelino de ser uma grande estrela do futebol mundial. Talento para isto os dois tinham de sobra e já demonstravam desde os primeiros chutes em bolas de pano, ainda crianças, dentro de casa. O olho clínico do pai não se enganou e, com os meninos ainda na pré-escola, já falava para os quatro cantos que tinha em casa dois futuros craques.

O tempo foi, aos poucos, fazendo com que o que parecia devaneio de pai coruja se tornasse realidade e, antes dos 14 anos completos, Pedro e Paulo já eram atração em qualquer campinho da cidade onde iam jogar.

Mesmo sendo iguais fisicamente, os dois garotos tinham muitas diferenças. Pedro era o esforçado da dupla e Paulo fazia o tipo bonachão. Enquanto Pedro fazia questão de caprichar nos deveres escolares e nas tarefas caseiras, Paulo não hesitava em colar do irmão e enrolar nas obrigações assumidas com a mãe, sabendo que mais cedo ou mais tarde, tudo se resolveria, de alguma forma.

Dentro de campo, com a bola nos pés, porém, os dois eram novamente gêmeos. Craques de igual intensidade, ainda que com estilos opostos. Pedro era o atacante lutador, daquela espécie que não conhece bola perdida e não descansa até finalizar a jogada à sua maneira, enquanto Paulo era o oportunista, que sabia se posicionar na área como ninguém, esperando a hora certa de dar o bote e decidir a jogada. Sem muito esforço, é claro.

E eis que chegou o dia em que a grande chance do sonho de se tornar uma estrela do futebol mundial se tornar realidade surgiu para os dois garotos. Em três semanas, dirigentes do Milan viriam ao bairro acompanhar o jogo de fim de ano entre os times locais. Os italianos levariam o melhor jogador para treinar nas categorias de base do time italiano, com contrato assinado e salário de gente grande.

A ansiedade tomou conta dos gêmeos e o assunto na vizinhança não podia ser outro. Estava claro, desde o começo, ainda que mais de 50 jogadores estivessem inscritos para o jogo, que a vaga no Milan era de um dos dois irmãos.

A maneira de passar as três semanas, entretanto, foi muito diferente para Pedro e Paulo. Enquanto o primeiro treinou como louco, com uma carga diária de exercícios pouco comum para um adolescente, o segundo descansou, fez trancinhas africanas no cabelo e ensaiou incontáveis danças e coreografias para comemorar os possíveis gols que faria.

O esperado dia chegou. Os italianos apareceram no horário marcado, com câmeras de vídeo e blocos de anotações. O campo estava lotado, com todo o bairro querendo ver o embate que levaria um garoto da redondeza para o futebol europeu. Pedro e Paulo fizeram o melhor que puderam, cada um ao seu estilo, mas nada foi suficiente para que o jogo saísse do 0 a 0 e fosse para a disputa de pênaltis.

O time dos irmãos ganhou a decisão, com ambos acertando os pênaltis que cobraram. Pedro deu socos no peito e no ar, após o gol, enquanto Paulo deu duas piruetas, quatro requebradas e fez uma dancinha esquisita de uma banda de um ritmo novo vindo do Piauí.

Em princípio, os dirigentes do Milan ficaram em dúvida sobre o irmão que levariam para a Itália, já que ambos haviam tido atuações bem parecidas na partida. Mas o imbróglio não durou muito. O semblante descontraído de Paulo, com o riso fácil, as danças e o penteado exótico, revelavam o perfil de um cara decidido, que sabe o que quer da vida. Enquanto o jeito tenso e o rosto fechado de Pedro eram típicos de um sujeito que tem que lutar contra seus próprios temores e fantasmas antes de enfrentar o mundo.

A formiga Pedro deu um abraço forte na cigarra Paulo e a parabenizou pela conquista. Ainda meio aéreo, com os dedos entre as tranças africanas com as quais não tinha se acostumado, Paulo respondeu:

- Ah, Pedrão, vai no meu lugar, cara, por favor. Quero mexer com isso não.

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