Pedro e Paulo eram gêmeos idênticos que tinham o sonho
univitelino de ser uma grande estrela do futebol mundial. Talento para isto os
dois tinham de sobra e já demonstravam desde os primeiros chutes em bolas de
pano, ainda crianças, dentro de casa. O olho clínico do pai não se enganou e,
com os meninos ainda na pré-escola, já falava para os quatro cantos que tinha
em casa dois futuros craques.
O tempo foi, aos poucos, fazendo com que o que parecia
devaneio de pai coruja se tornasse realidade e, antes dos 14 anos completos,
Pedro e Paulo já eram atração em qualquer campinho da cidade onde iam jogar.
Mesmo sendo iguais fisicamente, os dois garotos tinham
muitas diferenças. Pedro era o esforçado da dupla e Paulo fazia o tipo
bonachão. Enquanto Pedro fazia questão de caprichar nos deveres escolares e nas
tarefas caseiras, Paulo não hesitava em colar do irmão e enrolar nas obrigações
assumidas com a mãe, sabendo que mais cedo ou mais tarde, tudo se resolveria,
de alguma forma.
Dentro de campo, com a bola nos pés, porém, os dois eram
novamente gêmeos. Craques de igual intensidade, ainda que com estilos opostos.
Pedro era o atacante lutador, daquela espécie que não conhece bola perdida e
não descansa até finalizar a jogada à sua maneira, enquanto Paulo era o oportunista,
que sabia se posicionar na área como ninguém, esperando a hora certa de dar o
bote e decidir a jogada. Sem muito esforço, é claro.
E eis que chegou o dia em que a grande chance do sonho de se
tornar uma estrela do futebol mundial se tornar realidade surgiu para os dois
garotos. Em três semanas, dirigentes do Milan viriam ao bairro acompanhar o jogo de fim de ano
entre os times locais. Os italianos levariam o melhor jogador
para treinar nas categorias de base do time italiano, com contrato assinado e
salário de gente grande.
A ansiedade tomou conta dos gêmeos e o assunto na vizinhança
não podia ser outro. Estava claro, desde o começo, ainda que mais de 50
jogadores estivessem inscritos para o jogo, que a vaga no Milan era de um dos
dois irmãos.
A maneira de passar as três semanas, entretanto, foi muito
diferente para Pedro e Paulo. Enquanto o primeiro treinou como louco, com uma
carga diária de exercícios pouco comum para um adolescente, o segundo descansou,
fez trancinhas africanas no cabelo e ensaiou incontáveis danças e coreografias para
comemorar os possíveis gols que faria.
O esperado dia chegou. Os italianos apareceram no horário
marcado, com câmeras de vídeo e blocos de anotações. O campo estava lotado, com
todo o bairro querendo ver o embate que levaria um garoto da redondeza para o
futebol europeu. Pedro e Paulo fizeram o melhor que puderam, cada um ao seu
estilo, mas nada foi suficiente para que o jogo saísse do 0 a 0 e fosse para a
disputa de pênaltis.
O time dos irmãos ganhou a decisão, com ambos acertando os
pênaltis que cobraram. Pedro deu socos no peito e no ar, após o gol, enquanto
Paulo deu duas piruetas, quatro requebradas e fez uma dancinha esquisita de uma
banda de um ritmo novo vindo do Piauí.
Em princípio, os dirigentes do Milan ficaram em dúvida sobre
o irmão que levariam para a Itália, já que ambos haviam tido atuações bem
parecidas na partida. Mas o imbróglio não durou muito. O semblante descontraído
de Paulo, com o riso fácil, as danças e o penteado exótico, revelavam o perfil
de um cara decidido, que sabe o que quer da vida. Enquanto o jeito tenso e o
rosto fechado de Pedro eram típicos de um sujeito que tem que lutar contra seus
próprios temores e fantasmas antes de enfrentar o mundo.
A formiga Pedro deu um abraço forte na cigarra Paulo e a
parabenizou pela conquista. Ainda meio aéreo, com os dedos entre as tranças africanas com as quais não tinha se acostumado, Paulo respondeu:
- Ah, Pedrão, vai no meu lugar, cara, por favor. Quero mexer com isso
não.
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