quinta-feira, 7 de março de 2013

Fábulas Modernas II – O menino que gritava lobo


Beto Marola começou jogando futebol nas praias do sul da Bahia. Filho de pescadores pobres, via no esporte uma chance única de ascensão social. A vida no mar era difícil e o trabalho repleto de concorrentes, já que o cacau nem de longe lembrava os tempos áureos em que as fazendas geravam riquezas e poder, o que fazia com que mais e mais pessoas saíssem do campo e se aventurassem nas embarcações mar adentro, em busca de sustento.

O talento de Beto com a bola nos pés chamou a atenção de clubes profissionais da capital e logo o garoto teve a chance de fazer um teste. Um problema, porém, tinha de ser superado por ele, e não foram poucos os que o aconselharam. Marola tinha o péssimo hábito de simular faltas e sua fama de cai-cai era conhecida de Ilhéus a Alcobaça.

Chegando ao Vitória, tradicional clube de Salvador, Beto Marola foi aprovado nos testes e não demorou a ter sua chance no time principal. A velha mania, entretanto, não o abandonou, e ele, sempre que tinha a oportunidade, simulava faltas e abusava do fingimento. Tanto fez que o técnico do time o chamou para um conversa reservada.

- Garoto, você conhece a história do menino que gritava lobo? Quando a noite caía, ele gritava, dizendo às pessoas de sua aldeia que um lobo estava entre eles. O alvoroço era enorme, até que percebiam que não havia lobo nenhum. Mas ele não se importava e repetia a brincadeira todas as noites. Com o tempo, as pessoas descobriram que era mentira e pararam de procurar o lobo. Até que numa noite escura de inverno, um lobo faminto chegou e viu o menino. Ele gritou, berrou e urrou desesperado. Mas ninguém na aldeia se importou. O lobo então, feroz e faminto, devorou o menino, que pagou por tantas mentiras que tinha contado.

- Boa história, mas o que eu tenho com isso? Aqui na Bahia não tem lobo – respondeu Beto Marola, com um riso de deboche no rosto.

- Sim, não tem lobo. Mas se você continuar fingindo que recebe faltas, quando receber, de verdade, ninguém vai acreditar.

Marola não ligou muito para a história do velho treinador e continuou seu trabalho no time. Como era muito habilidoso e tinha um talento nato para driblar, foi titular durante todo o Campeonato Baiano. A fama de cai-cai, no entanto, nunca o abandonou, e os árbitros já sabiam que Beto era capaz de simular um pênalti, mesmo que tivesse condições de continuar em pé e fazer um gol.

Chegou o dia da grande final do campeonato, e a Fonte Nova estava lotada para o clássico entre Bahia e Vitória. O jogo seguia 0 a 0, resultado que dava o título para o Bahia, quando, aos 45 minutos do segundo tempo, Beto Marola invadiu a área e levou um forte chute do zagueiro no tornozelo. A dor foi tanta que Beto caiu na hora, rolando no gramado, com a mão no local machucado. O árbitro não acreditou em Marola e não marcou pênalti. O jogo acabou 0 a 0 e o Vitória perdeu o título.

A revolta de Beto foi imensa, mas ele não encontrou apoio em nenhum de seus companheiros de time, que também acharam que ele tinha simulado, mesmo vendo o tornozelo inchado do fingidor. O velho treinador olhou para Marola com reprovação e nem a fanática torcida do Vitória xingou o juiz.

Decepcionado, Beto Marola abandonou o futebol e virou pescador em Ilhéus. Nunca mais foi visto. Dizem alguns que ele morreu comido por um tubarão, após vários alarmes falsos pelo rádio do barco. O dia em que ninguém foi a seu socorro, o tubarão apareceu e jantou o mentiroso.

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