Beto Marola começou jogando futebol nas praias do sul da Bahia. Filho de pescadores pobres, via no esporte uma chance única de ascensão social. A vida no mar era difícil e o trabalho repleto de concorrentes, já que o cacau nem de longe lembrava os tempos áureos em que as fazendas geravam riquezas e poder, o que fazia com que mais e mais pessoas saíssem do campo e se aventurassem nas embarcações mar adentro, em busca de sustento.
O talento de Beto com a bola nos pés chamou a atenção de
clubes profissionais da capital e logo o garoto teve a chance de fazer um teste.
Um problema, porém, tinha de ser superado por ele, e não foram poucos os que o
aconselharam. Marola tinha o péssimo hábito de simular faltas e sua fama de
cai-cai era conhecida de Ilhéus a Alcobaça.
Chegando ao Vitória, tradicional clube de Salvador, Beto
Marola foi aprovado nos testes e não demorou a ter sua chance no time
principal. A velha mania, entretanto, não o abandonou, e ele, sempre que tinha
a oportunidade, simulava faltas e abusava do fingimento. Tanto fez que o técnico do
time o chamou para um conversa reservada.
- Garoto, você conhece a história do menino que gritava
lobo? Quando a noite caía, ele gritava, dizendo às pessoas de sua aldeia que um
lobo estava entre eles. O alvoroço era enorme, até que percebiam que não havia
lobo nenhum. Mas ele não se importava e repetia a brincadeira todas as noites. Com
o tempo, as pessoas descobriram que era mentira e pararam de procurar o lobo.
Até que numa noite escura de inverno, um lobo faminto chegou e viu o menino.
Ele gritou, berrou e urrou desesperado. Mas ninguém na aldeia se importou. O
lobo então, feroz e faminto, devorou o menino, que pagou por tantas mentiras
que tinha contado.
- Boa história, mas o que eu tenho com isso? Aqui na Bahia
não tem lobo – respondeu Beto Marola, com um riso de deboche no rosto.
- Sim, não tem lobo. Mas se você continuar fingindo que recebe
faltas, quando receber, de verdade, ninguém vai acreditar.
Marola não ligou muito para a história do velho treinador e
continuou seu trabalho no time. Como era muito habilidoso e tinha um talento
nato para driblar, foi titular durante todo o Campeonato Baiano. A fama de
cai-cai, no entanto, nunca o abandonou, e os árbitros já sabiam que Beto era
capaz de simular um pênalti, mesmo que tivesse condições de continuar em pé e
fazer um gol.
Chegou o dia da grande final do campeonato, e a Fonte Nova
estava lotada para o clássico entre Bahia e Vitória. O jogo seguia 0 a 0, resultado
que dava o título para o Bahia, quando, aos 45 minutos do segundo tempo, Beto
Marola invadiu a área e levou um forte chute do zagueiro no tornozelo. A dor
foi tanta que Beto caiu na hora, rolando no gramado, com a mão no local
machucado. O árbitro não acreditou em Marola e não marcou pênalti. O jogo
acabou 0 a 0 e o Vitória perdeu o título.
A revolta de Beto foi imensa, mas ele não encontrou apoio em
nenhum de seus companheiros de time, que também acharam que ele tinha simulado,
mesmo vendo o tornozelo inchado do fingidor. O velho treinador olhou para
Marola com reprovação e nem a fanática torcida do Vitória xingou o juiz.
Decepcionado, Beto Marola abandonou o futebol e virou
pescador em Ilhéus. Nunca mais foi visto. Dizem alguns que ele morreu comido
por um tubarão, após vários alarmes falsos pelo rádio do barco. O dia em que
ninguém foi a seu socorro, o tubarão apareceu e jantou o mentiroso.
b0sta de historia
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