O melhor amigo do Paulinho era o Dr. Paçoca. E este foi, talvez em toda a história das grandes parcerias, o único caso em que uma amizade na qual a idade de um é a raiz quadrada da do outro não causou problemas nem desconfianças.
Como todo garoto de oito anos, Paulinho era esperto, inquieto e muito curioso. Gostava de jogar bola e, como a maioria dos meninos de sua idade, queria ser jogador de futebol. Na vida tranquila do interior de Minas, depois da aula, entre uma pelada e outra pela rua, sempre achava tempo pra dar um pulo na casa do Dr. Paçoca.
Como todo cientista maluco, Dr. Paçoca tinha longos cabelos brancos e óculos de lentes finas pendentes na ponta do nariz. Viúvo há muitos anos, usava um jaleco branco e vivia entre livros e um laboratório repleto de invenções. Era considerado gênio por alguns, excêntrico por outros, e muito louco para a grande maioria, já que morava sozinho desde que a esposa morreu.
O fato é que Paulinho e Dr. Paçoca criaram uma afinidade natural. Paçoca era o único que tinha paciência para as infinitas perguntas de Paulinho. Ou alguém mais, além do cientista, sabe explicar porque inventaram a bolinha de gude? E somente Paulinho acreditava que os inventos de Paçoca pudessem funcionar um dia. Ou quem mais pode acreditar, tirando o garoto, que o tradutor da linguagem dos cachorros realmente só trabalha com pilhas alcalinas?
A vida seguiu assim, por um bom tempo. Paulinho teve respostas para todos os seus porquês, comos, ondes e quens, enquanto Dr. Paçoca pôde contar com um amigo leal para testar produtos como os óculos trocadores de cores, o catador elétrico de feijão roxinho e o revolucionário amarrador automático de cadarço de chuteiras. (Este último fez Paulinho se atrasar para um jogo do campeonato da escola, mas ele preferiu não se queixar com o amigo).
Parte II – A máquina do tempo
Até que chegou o dia em que Dr. Paçoca finalizou aquele que ele mesmo considerou o invento mais importante de sua vida: uma máquina do tempo! Paulinho, como fiel escudeiro do professor de tantas ideias, viu com os próprios olhos, abobalhado, que a engenhoca realmente funcionava!
O entusiasmo dos dois amigos era evidente. Primeiro porque a máquina do tempo tinha mais utilidade prática do que o descascador de mexerica. E depois porque as viagens para o passado estavam acontecendo de verdade.
Dr. Paçoca não abandonou seus métodos científicos no trabalho. E também não podou as asas da imaginação do pequeno amigo. Por isso, combinou com ele algumas regras básicas que teriam que ser cumpridas na utilização da Máquina do Tempo®, agora com marca registrada e tudo!
1 – O invento só poderia ser usado para fazer boas ações coletivas, nunca o mal.
2 – Nenhum dos dois poderia contar sobre a Máquina do Tempo® para ninguém.
3 – As mudanças no passado não poderiam causar benefícios pessoais exclusivos para os dois no tempo presente.
Parte III – O passado
Para Paulinho, aquilo não fazia a menor diferença. Além de não ter a mínima intenção de fazer mal a ninguém, o simples fato de ver dinossauros de verdade de perto era maravilhoso. A segunda regra o incomodava ligeiramente, já que não podia falar sobre suas aventuras com os amigos, mas o preço era justo para ter uma experiência tão fantástica.
Dr. Paçoca passou os primeiros dias embasbacado com sua própria capacidade inventiva. Visitou seus ancestrais na Baviera, conheceu os Incas e Maias, e foi conferir de perto a tática de guerra usada por Gengis Khan na Mongólia.
Depois de muitas viagens contemplativas, chegou o dia em Dr. Paçoca disse a Paulinho que era a hora de mudar as coisas ruins que não gostavam no passado, obedecendo, é claro, o regulamento vigente.
Os amigos pensaram muito e depois de algumas idas e vindas com a Máquina do Tempo® mudaram alguns aspectos históricos, dois cada um, e os deixaram da maneira que conhecemos hoje.
- O mundo só terá duas guerras mundiais, e não onze como antes.
- Albert Einstein morrerá aos 76 anos, e não aos 12 como antes.
- O Brasil será cinco vezes campeão mundial de futebol, e não apenas uma como antes.
- Pelé nascerá brasileiro, e não argentino como antes.
Parte IV – O fim da Máquina do Tempo®
Após as mudanças realizadas na história, tanto Paçoca quanto Paulinho sentiram que poderiam ter feito ações mais significativas, mas o medo do invento cair em mãos erradas acabou falando mais alto e o cientista incinerou a Máquina do Tempo® e pôs fim ao poder que tinham, definitivamente.
Já conformado em não poder mais brincar com os tiranossauros nem ver os pterodátilos voando, Paulinho fez as últimas perguntas ao cabisbaixo e soturno Dr. Paçoca:
- Por que o senhor não trouxe de volta sua esposa?
- Porque estava nas regras. Nada de benefícios pessoais.
- Mas foi o senhor mesmo quem fez as regras.
- Sim, meu amigo. Eu sei. Cuide do seu presente. Porque no passado, existem coisas que nem mesmo uma máquina do tempo pode mudar.
Com o olhar triste, Dr. Paçoca deixou o amigo Paulinho vendo as chamas acabarem com o maior feito de sua carreira. As palavras do velho mestre nunca mais deixaram a memória do garoto. E serviram como lição eterna.
- Tem coisas que nem uma máquina do tempo pode mudar.
Parabéns, mais uma vez, Marco Antonio ! Muito bom o texto da Máquina do Tempo!
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