sábado, 2 de agosto de 2014

O Aranha machucado, o holandês do Suriname e o meia que virou lateral



I

É muito difícil apontar com exatidão o caminho certo rumo ao sucesso. Qual direção tomar, como escapar das armadilhas e quando usar os atalhos. É preciso talento e competência, é claro. Uma boa dose de sorte sempre faz bem. Estar no lugar certo na hora exata. E, às vezes, contar com um Aranha machucado e um holandês que veio do Suriname.


II                                                                                                                          


Em 1972, o Clube do Remo, de Belém, disputava a primeira divisão do Campeonato Brasileiro. A campanha do time paraense foi até razoável. Entre 26 participantes, terminou na 17ª colocação, com direito a uma vitória sobre o Flamengo e a jogos duros contra várias equipes tradicionais do Brasil. O craque do Remo era o lateral direito Aranha. Verdade. Prova disto é a Bola de Prata de melhor jogador da posição dada a ele pela Revista Placar.

Aranha se machucou num jogo contra o Atlético-MG, na antepenúltima rodada da competição, e é aí que começa nossa história. O técnico do Remo naquela partida era François Thijm, um holandês nascido no Suriname, que também acumulava as funções de goleiro reserva do time, massagista e roupeiro. Sem outro lateral no banco, François ficou totalmente perdido, sem saber quem improvisar no lugar de seu craque. Como o cargo de auxiliar técnico era raridade naquele tempo, o holandês ouviu os conselhos dos outros jogadores do banco, e mandou para o campo um meia direita carioca de 22 anos, com uma frase emblemática que nunca foi esquecida:

- Já que não tem ninguém, vai você mesmo.

O jovem meia, revelado pelo Bonsucesso, e com poucas chances no Remo até aquele momento, entrou no jogo, cumpriu seu papel discretamente e saiu sem ser percebido. Seu nome era Nelinho.

Três dias depois, o Remo voltou a jogar. O adversário foi o Fluminense. Sem opções no elenco, François escalou Nelinho como titular na lateral direita e, mais uma vez, o improvisado meia direita deu conta do recado sem chamar a atenção.

Já desclassificado da competição, o Remo ainda tinha mais uma partida, apenas para cumprir tabela. Pela frente, o poderoso Cruzeiro de Raul, Piazza e Dirceu Lopes. Em 1972, as notícias não circulavam com a velocidade de hoje, mas, ainda assim, chegou aos ouvidos do time mineiro a informação de que o paraense estava jogando com um lateral direito falso. O técnico cruzeirense Hilton Chaves tratou de escalar Rivaldo, um ponta esquerda veloz e habilidoso, para tentar tirar proveito do ponto fraco do Remo.

Acontece que, naquela tarde, Nelinho fez a melhor partida de sua vida até então. Além de ter anulado Rivaldo, ele driblou, comandou o Remo e foi importante também no ataque. Impressionados, os dirigentes cruzeirenses logo fizeram contato com o cabeludo de chute forte e não demoraram muito para acertar sua contratação. Do resto da história todo mundo sabe. Nelinho se tornaria o maior lateral direito do Cruzeiro de todos os tempos, seria peça fundamental no primeiro título do clube na Taça Libertadores e disputaria duas Copas do Mundo com a Seleção.


III


O sucesso meteórico de Nelinho no Cruzeiro chamou a atenção da diretoria do rival Atlético. A lógica da turma do Galo realmente fazia sentido.

- Se Nelinho, que era reserva do Remo, joga tanta bola, imagina o que deve fazer Aranha, que era o titular?

Aranha foi contratado pelo Galo com status de grande reforço e encheu a torcida alvinegra de esperanças de também ter o seu Nelinho. Aliás, de ter um Nelinho ainda melhor.

O ex-jogador do Remo, contudo, foi um fracasso retumbante. Aranha se deu melhor na noite de Belo Horizonte do que dentro de campo, e, com apenas 18 partidas disputadas com a camisa do Atlético, arrumou as malas e voltou para Belém do Pará. Deixando um gosto amargo em todos os atleticanos.


IV


Ninguém dotado de sua perfeita razão poderia imaginar um dia que Nelinho, ídolo e referência do Cruzeiro, durante quase uma década, terminaria sua carreira jogando justamente no rival Atlético. Mais do que isto. Jogando bem, fazendo gols, conquistando títulos e entrando para a história como o maior lateral direito do Galo, repetindo o que havia feito na Raposa.

Pois foi exatamente o que se passou. Depois de 410 jogos e 105 gols com a camisa do Cruzeiro, Nelinho deixou o clube após a contratação do desafeto técnico Yustrich. A grande surpresa foi o destino do lateral. A verdade é que, num primeiro momento, tanto cruzeirenses como atleticanos desconfiaram do sucesso de Nelinho no Galo. Com 32 anos e totalmente identificado com o arqui-inimigo, era improvável que ele se desse bem no novo time.

A personalidade forte do lateral falou mais alto e, de inimigo, ele se tornou ídolo da torcida do Atlético, que, depois de muito tempo, com a mesma moeda, deu o troco no rival que um dia riu do insucesso de Aranha.


V


É difícil entender o caminho que leva ao sucesso. Ele vai lado a lado com o que conduz ao fracasso e, qualquer pequeno fator, pode mudar o rumo da história. A de Nelinho foi brilhante. E teve Aranha machucado, um holandês do Suriname e talento. Muito talento.

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